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Uma coleccionadora de pessoas, experiências e emoções - entrevista a Raquel André

Coleccao de Artistas (c) Filipe Ferreira
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05/11/2019

Foto: Esquerda - © Afonso Sousa, direita - © Filipe Ferreira

Raquel André é uma artista de Lisboa que atravessou o oceano para se transformar "como artista, pessoa e mulher" no Rio de Janeiro. Depois voltou ao seu país de origem, onde se encontra actualmente a desenvolver o seu trabalho, mas uma parte de si mantém-se no Brasil. "Colecção de Artistas" é o seu mais recente espetáculo, que apresentará em Berlim dias 8 e 9 de Novembro na Tanzfabrik (Uferstr. 23, 13357 Berlim). A Berlinda falou com Raquel André sobre o seu percurso artístico, a tecnologia, o calor e o frio e as suas colecções de pessoas que a trazem agora à capital alemã. Pelo meio, numa conversa matinal bem descontraída, falámos também da sua pátria portuguesa e do seu coração brasileiro. 

Como surgiu esta ida a Berlim?

A Tanzfabrik faz parte de uma rede da União Europeia que é a APAP Advancing Performing Arts. O Teatro Nacional D. Maria II também faz parte dessa rede juntamente com 11 teatros de onze países diferentes da União Europeia. Eu faço parte dessa rede a partir do Teatro Nacional e então foram 3 artistas por instituição que circulam por esses diferentes espaços através de residências artísticas,  de pesquisa ou apresentação de espetáculos. Eu já estive no Tanzfabrik duas vezes em residência artística, porque a criação dos meus espetáculos passa sempre por essa fase de relação com a comunidade local. As residências artísticas são uma ferramenta no meu processo artístico para este projecto das colecções. E portanto eu já estive em Berlim a coleccionar artistas e agora surge esta oportunidade de apresentar o espetáculo a convite da Tanzfabrik, que é co-produtora do espetáculo. Já temos uma relação com o estúdio e vamos mantendo esta colaboração que já tem três anos.

 

O que gostas especialmente de Berlim? E o que fazes quando vens à cidade?

Esta vai ser a terceira vez que vamos estar em Berlim, mas sempre em trabalho, portanto não de uma forma muito lúdica e com muito tempo livre. E a Tanzfabrik está localizada em Wedding, não propriamente no centro. Eu conheço muito bem Wedding… (risos). O que me surpreende sempre em Berlim é ser uma cidade tão jovem e diversificada. Estou há 2 anos em Lisboa, morei no Brasil durante 7 anos. Para quem vem do Rio de Janeiro, em Berlim sinto-me na Europa, que é um grande cliché, eu sei. Mas mais do que isso, há um espírito mais jovem de rua que me atrai. Famílias jovens, muitas crianças. Gosto sempre de passar pelo Tempelhof. Estive sempre em Berlim no Inverno, portanto as histórias que ouço falar de a Primavera e Verão serem incríveis, com muitas pessoas nas ruas, é um exercício de imaginação (risos). Normalmente caminho muito, passo por lojas de segunda-mão de roupa, cafés. É uma logística para vestir em Berlim, tu vestes-te com imensas camadas e depois chegas a um lugar e tens que começar a despir tudo. Bom, não sei se isto é minimamente interessante para a entrevista… (risos) Como eu morei em Verão durante 7 anos no Brasil, para mim isto é uma nova logística. Por meias, botas... E acho que isso também muda muito a relação social entre as pessoas. No Brasil eu visto o mínimo, porque estão 40 graus. Em Berlim não tens só uma camada de roupa, mas várias. Tens a cara de fora e tudo o resto tentas tapar. Eu acho que isso muda a relação com o outro, quer do toque, da sensibilidade, da proximidade. Isso muda os conteúdos que tu falas com o outro e o tipo de aproximação que podes ter. Acho que a temperatura de uma cidade muda muito a cultura, o que é óbvio. Assim numa sensação mais imediata, a aproximação com o outro - lembro-me de isso ser uma novidade para mim em Berlim. Eu raramente estive em lugares frios, ou em países frios…  

 

Estás mais habituada a climas quentes…

Quando está frio dá vontade de ficar em casa, porque são poucos esses dias aqui. Então aproveitas para recolher. Eu pergunto-me sempre como é que as pessoas têm motivação para ir trabalhar com estes dias sempre assim, em que não se vê o sol. Porque para mim esses dias mais cinzentos são aqueles em que te apetece ficar em casa a ver um filme, e de repente aqui em Berlim vai-te apetecer ver um filme todos os dias...

 

Acaba por ser um hábito.

Sim. Depois tento sempre ver a programação do HAU, já vi dois ou três espetáculos lá. Acho que tem uma programação interessante e actual. Agora vai haver um espetáculo que não vou conseguir ver de uma artista argentina que eu admiro muito no Gorki, a Lola Arias. Acho que Berlim também tem isso: podemos ver artistas do mundo inteiro na cidade. Tento sempre fazer essa actualização e ter essa agenda cultural. E encontrar outros artistas.

 

E tens contacto com a comunidade brasileira ou portuguesa em Berlim? 

Conheço alguns artistas, nomeadamente os que têm alguma relação com a Tanzfabrik. Eles têm uma escola, a SODA (Escola de Artes Performativas), e alguns amigos meus estudaram lá. Um deles é o André Uerba, que é português, ficou a viver em Berlim até hoje. Faz espetáculos em Portugal também mas está sediado lá. Outra pessoa que trabalha comigo e faz desenho de luz também vive em Berlim, aliás em Wedding, é o Eduardo Abdala, moçambicano com nacionalidade portuguesa também. Tenho uma outra amiga assim mesmo antiga que é a Ana Trincão. É bailarina e está a fazer agora o doutoramento entre Berlim e Portugal. E conheço também alguma comunidade brasileira que está envolvida no Agora Collective. 

 

Falas-nos agora um pouco da tua experiência de vida no Rio de Janeiro? Foste com uma bolsa do Inov-Art e depois acabaste por ficar mais tempo do que o previsto…

Sim, fui com uma bolsa do Inov-Art que era supostamente 5 meses e fiquei lá 7 anos. Foi muito transformador na minha vida como pessoa, como mulher, como artista. Foi assim uma grande reviravolta. Fui com 23 anos, portanto era super nova. Ainda sou… (risos) A grande coisa foi sair da Europa. Perceber o que é a Europa, como eu fui educada aqui.  Ou seja, ver-me em perspectiva, com um oceano de distância. Isso aconteceu também por estar num país que também fala português, que me ensinaram que nós (portugueses) supostamente descobrimos. E como a História que me foi contada foi altamente manipulada e é sobre uma perspectiva. Descobrir toda essa nova perspectiva e de como isso foi violento para mim, foi quase aprender uma nova História, assente noutro ponto de vista. Isso deu-me outras ferramentas como pessoa a observar o mundo. Em Portugal nos anos 90 nós tínhamos muitos clichés em relação ao Brasil, muitos preconceitos - e ainda temos. Estão entranhados na nossa cultura. Eu recebi muito esses clichés, essa imagem do que era o Brasil. Esse Brasil tropical, ponto acabou. É sol, Verão e praia. Então foi surpreendente. Lógico que nunca imaginei que ia ficar mais do que 5 meses num país que é só sol e praia, porque não iria receber mais do que isso, e que se ia esgotar aí. Na verdade só voltei para Portugal porque começamos a viver uma grande crise política no Brasil e começou a ficar muito difícil trabalhar e viver como emigrante. Apesar de eu ter casado lá e ter residência permanente, ficou muito instável para poder trabalhar. Continuo a ter alguma relação com o Brasil e volto todos os anos. Se pudesse escolher, emocionalmente preferia morar no Brasil do que em Portugal.

 

Ah sim? E porquê? 

Sim, acho que a evolução humana está na América Latina. Na relação com o outro. Na perspectiva sobre o que é comunidade. A consciência de que estamos em rede e que podemos criar novas possibilidades de organização do mundo. Talvez por a precariedade ser muito diferente da precariedade europeia isso dê novas formas de sustentabilidade e de organização. Por exemplo este caso agora do Chile, a forma como eles estão a fazer esta revolução... é exemplar. É incrível. 

Para o projecto artístico que estou a desenvolver, que tem esta relação de coleccionar pessoas e encontrar pessoas, fiz alguns encontros em Santiago do Chile, em Buenos Aires, e no Brasil, então também consigo ter um bocadinho essas relações íntimas com essas pessoas e perceber mesmo a forma como eles lidam com a intimidade e quais são as urgências dessas pessoas nesse momento em relação às urgências das pessoas aqui na Europa. Lógico que não posso criar um caso de estudo sobre isto. Faço cerca de 8 encontros por cidades, portanto é a minha experiência. 
 

Voltando aqui à tua criação artística: podes então explicar-nos, em linhas gerais, do que se trata o teu espetáculo “Colecção de Artistas” que vais apresentar na Tanzfabrik nos dias 8 e 9 de Novembro?

Eu comecei a coleccionar artistas em 2018. Encontro-me com artistas e peço-lhes que eles me transmitam um fragmento dos seus trabalhos e que me contem a sua história através desse fragmento. A minha forma de coleccionar artistas é aprendendo com o meu corpo um fragmento de uma criação deles e conto as suas histórias a partir dele. Isto faz parte de um projecto que se chama “Colecção de Pessoas”. Dentro deles está a “Colecção de Amantes”, em que usei a fotografia. E também a “Colecção de Coleccionadores”, em que usei o video. Agora na “Colecção de Artistas” uso apenas o meu corpo como arquivo. Coleccionei uma bailarina, e recebi um fragmento de uma frase de movimento e a aprendi e conto a sua história como artista através dela. Coleccionei um percussionista de uma orquestra clássica, que me deu as treze primeiras notas da Carmina Burana e conto a sua história através desse movimento de tocar essas treze notas iniciais. Este é o princípio da Colecção de Artistas. Em Berlim encontrei-me com uma artista brasileira, que mora em Berlim há mais de 20 anos, a Beo da Silva, uma artista de circo. Ela nasceu na Cidade de Deus, no Brasil, e é uma das artistas que eu coleccionei e que faz parte do meu espetáculo. Também encontrei uma artista de Amsterdão que viveu em Berlim, Lotte van der Berg, directora de teatro, que já não mora lá, mas que faz parte da colecção. Então vou apresentá-las também no espetáculo. Já coleccionei 18 artistas, no espetáculo apresento 13. O espetáculo vai mudando, ou seja, a cada cidade onde eu vou colecciono mais artistas e vou adicionando. Adiciono uns, retiro outros. É um princípio que aplico a todas as outras colecções. O espetáculo tem sempre a mesma estrutura e vou mostrando a evolução da colecção e que perguntas a colecção transporta naquele momento. 

 

E de onde veio a ideia destas colecções? Coleccionas outras coisas? Começaste por coleccionar coisas físicas? 

Eu nunca coleccionei objectos. Até pelo contrário, até tento descartar-me das coisas. E com as viagens, nomeadamente quando fui para o Brasil, senti-me mesmo a desprender-me muito dos objectos. Mas aconteceu que em 2008 eu encontrei uma caixa de papelão na rua, que ia para o lixo. Estava cheia de cartas escritas à mão e eu achei um objecto super bonito. Eu venho do teatro e aquilo pareceu-me super cenografado e levei para casa. Quando comecei a abrir as cartas vi que era a correspondência de uma família, uma filha que tinha ido para a Bolívia e escrevia cartas para os pais em Portugal durante os anos 60, 70 e 90. 650 cartas. Passei o Verão inteiro a organizar aquelas cartas e aquilo fascinou-me. Aquele arquivo, a organização daqueles materiais. Fiz um espetáculo em 2009 a partir dessa colecção de cartas. Fascinou-me, e foi quando eu percebi que talvez eu seja uma arquivista ou uma coleccionadora (risos). Fascinou-me a organização daqueles objectos e os conteúdos e a história. Aquele conjunto de objectos era uma narrativa em si. E depois cada uma daquelas cartas transportava dados muito específicos: históricos, geográficos, económicos, políticos, pessoais. O privado e o público. Uma das cartas era sobre o 25 de Abril e a filha perguntava aos pais o que estava a acontecer em Portugal... Depois fiz mais três espetáculos a partir de colecções já existentes, um deles sobre um catálogo com as últimas frases que algumas pessoas famosas disseram antes de morrer. Já no Brasil, continuei sempre a trabalhar nas minhas criações, simultaneamente ao trabalho de assistência de encenação na Companhia dos Actores no Rio de Janeiro. Nesta coisa de ter saído da minha casa, do meu país, do meu continente, comecei a questionar o que era casa. No Rio era muito difícil arranjar casa, em seis anos morei em 14 casas diferentes. Esta coisa de seres emigrante e teres duas malas onde colocas as tuas coisas, pões a tua vida inteira em duas malas. Quais os objectos que te fazem sentir em casa? Comecei também a questionar o que é que nós escolhemos para transportar connosco nesse movimento que eu acho que a minha geração vive imenso. Somos a geração globalizada, andamos todos aí a atravessar estes céus. Acho que esta é uma nova questão: onde estamos e para onde nos direccionamos. E há tantas mais possibilidades do que há 20 anos atrás. É muito recente também, Quando eu cheguei ao Brasil e me apercebi como emigrante, nunca tinha imaginado tal hipótese. Nunca fui educada para isso, os meus pais nunca me falaram da possibilidade ser emigrante um dia. Nós somos emigrantes também à procura de novas oportunidades, mas quase como um modo de vida. É quase inevitável.

 

Sim, e no entanto não quer dizer que seja mais fácil agora, mesmo com a ajuda da tecnologia, que facilita manter o contacto por exemplo…

A colecção de amantes começou muito por aí. É a primeira colecção, e quando a criei não estava consciente que iria criar todo um polvo com mais colecções. A primeira situação foi pedir a um desconhecido para ir à sua casa e que ele me fotografasse e criássemos uma imagem como se eu fizesse parte dessa casa. Então comecei também a questionar muito o impacto da tecnologia, em que nós fotografamos tudo quase numa de provarmos tudo aquilo que fazemos, e a dúvida se de facto estamos a provar ou estamos a viver? O teatro é incrível por isso: estás a encenar a situação ou estás a vivê-la? Ou será que através da tecnologia nós estamos a encenar uma situação e isso já é vivê-la e isso passou a ser a nossa forma de estar? E também estas relações contemporâneas que se tornam mais duradouras, outras mais efémeras por conta da tecnologia. Na “Colecção de Amantes” também tenho essa questão: como é que a tecnologia nos atravessa e o que é que mudou? Outra coisa diferente em relação à geração dos nossos pais: eles não fizeram Google search antes de se conhecerem. Não tinham uma imagem antes de se conhecerem. Hoje em dia, quando conheces alguém, tu podes ter várias imagens dessa pessoa online antes de a conheceres ao vivo. Tens acesso a todo um mundo dessa pessoa antes de a conheceres. E questiono como isso pode influenciar as relações contemporâneas. 

 

Pois, é inevitável.. Mas talvez só daqui a alguns anos é que iremos perceber esse impacto...

Por isso é que eu também decidi fazer isso durante dez anos, como um artigo de uma geração e do que é a intimidade para essa geração e essa relação com a tecnologia e com a imagem. As possibilidades de novas famílias, há aqui uma elasticidade sobre o amor e formas de estar com o outro que me interessa pensar. Os meus pais estão juntos até hoje, fizeram 42 anos de casados, e parece assustador … como é que isto se faz? (risos) É uma referência para mim, mas ao mesmo pergunto-me: será que a nossa geração tem essa longevidade nas relação com o outro? Que intimidades são estas? Não questionando o que é bom ou mau, não tenho mesmo respostas. 

 

Estando de volta a Portugal há dois anos, o que achas da cidade - e do país - na promoção da cultura? Notas diferenças, quiçá alguma melhoria relativamente ao país que deixaste antes da aventura no Brasil? 

Eu saí de Portugal em 2011, portanto crise total. Noto uma grande diferença, as coisas estão a acontecer, há uma elasticidade e uma movimentação. Mas ainda é muito precário. A dificuldade aqui é, como parece que está tudo bem, porque nós estamo-nos a mexer e estamos a ter trabalho, Lisboa neste momento está com esta visibilidade para o mundo, para os turistas, somos um país com um governo de esquerda… mas isso na verdade pode ser problemático, porque ainda é uma situação muito precária, ainda há muito pouco dinheiro para a cultura. Temos uma rede de cine-teatros pelo país que não tem programação, os espetáculos podem morrer com a sua estreia. É o que acontece maioritariamente; estreiam, fazem uma temporada de duas semanas e morrem nesse mesmo lugar. Eu faço mesmo um grande esforço de circulação, faço muita produção dos meus espetáculos, muitas candidaturas, um grande trabalho de aproximação aos teatros. Isto porque o trabalho artístico deste projecto é uma colecção de pessoas, portanto preciso de circular para que artisticamente o projecto viva. É uma vontade minha de chegar a esses lugares, marcar reuniões presenciais e fazer um investimento de produção porque os programadores em Portugal não têm dinheiro para ir ver espetáculo. Recebem muitos emails e não têm capacidade de responder. Eu mando sempre cerca de 80 emails por cada estreia que faço só para programadores nacionais e recebo resposta de 4. Não dão conta. Se durante muito tempo eu critiquei, começo a perceber que de facto eles não dão conta, os orçamentos são apertados e não têm apoio para ir ver os espetáculos a outras cidades. Às vezes fazem-no por conta própria, então também tem que seleccionar muito bem o que vão ver. Então eu faço o contrário, vou eu aos teatros, levo o projecto directamente e tento captar apoios de circulação de espetáculos, que ainda existe bastante em Portugal, com a GDA e a Gulbenkian. Acho que é um pau de dois bicos: estamos melhor, mas ainda há muita coisa a fazer. Neste momento estamos com esta crise dos resultados dos apoios da DGArtes… a minha posição é: nós (artistas) deveríamos reclamar por uma profissionalização do sector. O sector não é reconhecido enquanto profissão. Nós não temos nenhuma protecção social ou fiscal, não existem estatutos, portanto se eu não vender espetáculos não recebo dinheiro. Acho que se vê essa precariedade quando tens uma classe artística a lutar pelo apoio da DGArtes, sendo que esse apoio não pode ser a nossa sustentabilidade, até o próprio nome o diz: é um apoio. 

 

Deveria ser um financiamento complementar.

Isso mesmo. E de repente nós, artistas, trabalhamos através desse apoio, porque é a única coisa que nós temos. Portanto, só aí já está aí o grande título da precariedade, vivermos através de um apoio porque a nossa profissão não é reconhecida. Seja minha como actriz, artista, dos bailarinos, músicos, técnicos, produtores, programadores… os programadores estão normalmente um bocadinho mais protegidos - alguns - porque trabalham com instituições e conseguem realizar contratos e ter essa continuidade que os artistas não têm. Portanto, Portugal, como país europeu, está ainda muito atrasado. 

 

E, da tua experiência, como era a situação no Brasil?

No Brasil também é uma situação muito precária. Então neste momento está mesmo um caos…  Mas quando eu te estava a falar de evolução humana na América Latina há pouco; há uma coisa incrível no Brasil que é o encontro e o debate. As pessoas têm ferramentas de conversa e debate muito mais oleadas e muito mais presentes. Rapidamente as pessoas se organizam em roda de debate. Há muitas associações artísticas que organizam eventos que enchem salas e conseguem reagir politicamente. Em Portugal temos muito essa dificuldade de estarmos em comunidade, debatermos assuntos e de os tornar possíveis, de os concretizar. Acho que existe essa diferença, a forma como as pessoas se organizam. O que sinto em Portugal muitas vezes é que as pessoas não querem estragar o verniz. Ninguém fala sobre o problema. 

 

Como disseste, de vontade tua, estarias ainda a viver no Brasil. O que tens a dizer sobre a situação política actual? Pensas voltar então?

Eu espero que seja só um pesadelo e que passe rápido. Tem que se agir e esperar que a coisa dê a volta. Vai demorar tempo… Sendo realista, acho que dificilmente voltarei a viver no Brasil nos próximos 5-10 anos, sendo consciente da dificuldade que se está a passar naquele país. Seria uma loucura minha tentar ir morar para o Brasil agora. Ou tenho uma oportunidade que me faça restruturar a minha vida… mas também não sei se Portugal é o país onde quero morar nos próximos 5-10 anos. Lógico que a precariedade é muito diferente, mas sinceramente não me apetece passar o resto dos meus anos a lutar pelo apoio à DGArtes. É muito precário. Também questiono muito se é este o país, as rendas estão muito caras em Lisboa. Eu venho da Amadora e não quero voltar a viver nos subúrbios de Lisboa, estou mesmo a fazer força para continuar a viver no centro. Mas o meu movimento com o Brasil é voltar todos os anos e desenvolver alguma actividade artística. Supostamente iríamos agora em Novembro, depois de Berlim, mas o festival no Rio de Janeiro não vai acontecer por falta de apoios. Estou a tentar novas formas de o fazer quase pro-bono, oferecer o espetáculo à cidade. Todo este projecto que eu estou a desenvolver em Portugal agora começou lá, então tenho essa vontade de devolver à cidade. 

Rita Guerreiro

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Licenciada em Audiovisual e Multimedia pela ESCS – Escola Superior de Comunicação Social (Lisboa), chegou a Berlim em 2010. Depois de ter participado em vários projectos de voluntariado e iniciado o Shortcutz Berlim, juntou-se à nova equipa Berlinda em 2016 e é desde então editora do magazine, para o qual contribui com vários artigos e entrevistas. 

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