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Viver em Berlim: Lar, agridoce lar

​“Quem procura, acha”, diz o ditado. Mas quem procura casa em Berlim tem cada vez mais dificuldade em encontrar um lugar para chamar seu. Conseguir uma casa ou quarto em Berlim tornou-se uma tarefa cada vez mais complexa, morosa e cara. Residentes portugueses em Berlim partilham algumas experiências sobre este tão discutido tema.

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Foto: © Luis Bompastor

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Rita Guerreiro

Licenciada em Audiovisual e Multimedia pela ESCS – Escola Superior de Comunicação Social (Lisboa), participou em vários projectos de voluntariado na cidade e iniciou o Shortcutz Berlin em 2011 com Humberto Rocha, Juntou-se à nova equipa Berlinda em 2016 e é desde então editora do magazine, para o qual contribui com vários artigos e entrevistas.

“Quem procura, acha”, diz o ditado. Mas quem procura casa em Berlim tem cada vez mais dificuldade em encontrar um lugar para chamar seu. Conseguir uma casa ou quarto em Berlim tornou-se uma tarefa cada vez mais complexa, morosa e cara. Residentes portugueses em Berlim partilham algumas experiências sobre este tão discutido tema.

Luís Silva, realizador freelance de Lisboa, chegou à capital alemã em novembro de 2017, cidade que escolheu de forma um pouco impulsiva. “Havendo produtoras e realizadores que me inspiravam, e sendo bastante acessível quando comparada com outras grandes cidades como Londres, Berlim pareceu-me a escolha acertada”, refere. O único senão: não tinha casa nem amigos na cidade. “Eu não sabia bem onde me estava a meter”, afirma em tom irónico. Iniciou assim uma verdadeira saga: a procura de um teto em Berlim.

REQUISITOS ELIMINATÓRIOS: PERSISTÊNCIA E PACIÊNCIA 

“Passei muitas horas a pesquisar na internet. Procurava quartos sobretudo em Kreuzberg e Neukölln, os bairros que me tinham dito que eram melhores para viver e que eu frequentava”, assegura Luís. Mudou de quarto sete vezes e viveu em diferentes zonas da cidade, por períodos de um a três meses, o mais longo de sete meses. “A maior frustração era mandar mais de vinte candidaturas por dia e não ter feedback positivo”, lembra. Desde janeiro deste ano vive em Neukölln, com contrato a longo termo.
 
Marta Setúbal foi para Berlim pela primeira vez em 2006 fazer Erasmus. Voltou em 2010. Até hoje, mudou de casa três vezes. Arquiteta, nunca teve tanta dificuldade em encontrar casa como Luís. Viveu sempre em zonas bastante centrais e, em 2010, viu apenas duas casas, conseguindo logo instalar-se. Considera que teve sorte, mas tentou fazer uma procura de casa um pouco diferente: respondeu a anúncios que não apresentavam fotos online, ofertas em que o anúncio desaparecia passado alguns minutos de ter sido publicado e que disponibilizavam visitas em horários menos convenientes “Como domingo às 9h. Ou seja, onde menos gente iria aparecer”, conta. O facto de ter um emprego estável, com contrato, e a papelada toda à mão e bem preparada, também facilitou. É caso para dizer que a procura de um quarto na capital alemã tem que se lhe diga, mas há alguns “truques” que podem facilitar a empresa.
 
Contudo, a última vez que mudou de casa, em 2017, já foi diferente. Viu poucas casas, mas deixou logo de parte a ideia de conseguir uma casa no centro “Só procurei em Pankow e em Weißensee. Aboli logo de raiz zonas mais centrais, porque sabia que ia ser difícil e o que queria era despachar a situação da casa.” Acabou por conseguir casa na zona de Pankow, onde vive atualmente. “Tendo um ordenado mais baixo, apesar de com contrato, porque estou a estudar outra vez, acabei por vir parar a um sítio mais longe do centro.”, desabafa. “No fundo, também fui de certa forma empurrada de onde vivia e queria continuar a viver!”

OS SAPATOS FICAM À PORTA 

Recém-chegados à cidade que não falam alemão têm mais dificuldade em encontrar casa. Segundo Marta, “Passam a vida a saltar de sub-aluguer em sub-aluguer, cada um por um ou dois meses. É muito difícil... Há visitas a casas que juntam mais de 100 - 200 candidatos”.
 
Em Berlim, as visitas coletivas aos apartamentos são muito frequentes. À porta, normalmente ficam filas de sapatos – é que, mesmo para as visitas, as pessoas descalçam-se antes de entrar. Tal pode ser visto como uma espécie de indicador de probabilidade: quanto mais sapatos há à porta, mais difícil será conseguir o apartamento ou quarto em questão.
 
Luís descreve uma visita coletiva que fez de um quarto, num típico apartamento partilhado (WG) com uma rapariga alemã e um rapaz italiano. A visita foi feita em Inglês pelos dois residentes do apartamento. “Eram aí vinte pessoas para ver o quarto, quando cheguei estavam já três na cozinha. Depois fomos ver o quarto todos juntos e sentámo-nos no chão com a pessoa que estava a fazer a visita e começámos a conversar.” Nestas visitas, é comum cada candidato tentar dar o melhor de si, mostrar-se o mais flexível, aberto – e cool – possível para aumentar as possibilidades de ser escolhido. Há bastante competição e Luís sentiu a pressão: “Tudo a competir por um quarto. Não gostei daquele ambiente, de estar ali a tentar mostrar que era o candidato ideal. E o quarto nem era nada de especial”.
 
Há perguntas aos candidatos para aferir o seu grau de elegibilidade, tais como nacionalidade, ocupação ou hobbies. Mas algumas são caricatas: “Lembro-me de a rapariga perguntar se gostávamos de reggae, porque ela o costumava ouvir aos altos berros.” Cada visita é uma experiência, onde até os hábitos de higiene podem ser fator relevante no interrogatório. “Numa outra visita perguntaram-me quanto tempo demorava a tomar banho...”, diz Luís. Tal é o grau de detalhe das entrevistas aos candidatos nas visitas que há quem lhes chame de “casting”. O fato de ser realizador, ainda para mais freelance, parece ter dificultado também a procura de quarto. Mesmo em Berlim, Luís sentiu que esta profissão nem sempre é tida como séria o suficiente. Parece que as pessoas desconhecem que um realizador pode pagar uma renda no final do mês. “Vivo do meu trabalho. Se preciso de mais dinheiro, faço outros trabalhos fora da realização. Em filme, nomeadamente correção de cor, que geralmente são trabalhos mais bem pagos”, esclarece. 
 
Mas o problema da habitação não afeta só os recém-chegados a Berlim - famílias que vivem na cidade há mais tempo enfrentam também dificuldades. Muitas têm sido afastadas dos bairros onde sempre viveram e onde conheciam toda a comunidade porque não conseguem acompanhar a subida das rendas. Ou porque são postas fora dos seus apartamentos pelos senhorios que aproveitam o momento para se livrarem dos antigos inquilinos e aumentarem as rendas.
 
E assim a cidade continua a expandir-se, a crescer e a mudar. Os preços das casas sobem e parece faltar regulamentação eficaz para os controlar. A gentrificação acontece e a discussão sobre a habitação tende a ganhar importância ao longo dos anos. Afinal, o direito à habitação é um Direito Humano, indicado no Artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. 

Este artigo foi escrito em parceria com o Goethe-Institut de Lisboa encontra-se publicado na rubrica "Era uma vez...a crise" da revista cultural online do instituto. 

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