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Produção artística brasileira em tempos de crise em debate na Freie Universität Berlin (FU)

Foto: da esquerda para a direita - Rafael Cardoso, Adelaide Ivánova, Wagner Schwartz, Marina Camargo, Mariana Zanetti e Nik Neves falaram sobre suas dificuldades e conquistas. ©Enio Moraes Júnior

Seis estilos, seis artistas, seis brasileiros unidos por um mesmo traço: vida e trabalho no exterior. Na sexta-feira, 04 de maio, Rafael Cardoso, Adelaide Ivánova, Wagner Schwartz, Marina Camargo, Mariana Zanetti e Nik Neves estiveram no Lateinamerika-Institut (LAI), na Freie Universität Berlin (FU). Debateram a produção artística brasileira em tempos de crise a partir da perspectiva de quem vive fora do Brasil.

“A ilustração de capa do livro Castanha do Pará, do artista visual Gidalti Moura Júnior, vencedor do Jabuti de melhor história em quadrinhos de 2017, foi removida de uma exposição em Belém. O artista retratou um menino de rua escapando de um policial. Após vários ataques por parte de policiais militares ao artista, o desenho foi retirado da exposição”. Relatando este e outros episódios de repressão à arte no Brasil, o mediador do evento, Leonardo Tonus, brasileiro e professor da Sorbonne Université, deu o tom das falas que seguiram.

“A luta feminista é uma luta pela democracia e pelo direito de reclamar do patriarcado”, disse a escritora e ativista pernambucana Adelaide Ivánova. Em seguida, leu um trecho do seu livro O Martelo (2016). A obra chama à atenção por abordar, sem panos quentes, a questão do estupro. A autora destacou que dificilmente seu livro seria publicado hoje, no Brasil, por conta dos rumos da política nacional.

O performer Wagner Schwartz afirmou que a criação artística é sempre mais forte do que qualquer repressão. Além disso, destacou o sentimento do artista que vive fora do seu lugar de origem: “A condição de não ser somente de um lugar se tornou evidente. Minhas escolhas estéticas ganharam uma consistência estrangeira, não cabiam nem aqui, nem ali. O deslocamento foi importante para problematizar as construções simbólicas que se criam entre o idioma de saída e aquele de chegada. Aos poucos, ir e vir deixou de ter relevância”.

Lugares e crítica

Marina Camargo apresentou um tema recorrente em sua produção visual, marcada por lugares e cartografias: o deslocamento, cujas características evidenciam-se, por exemplo, em Tratado de Limites (2011). “Eu sou de Maceió, morei em Porto Alegre e agora vivo em trânsito, embora esteja mais fixada em Berlim. E isto não é só dado biográfico, mas determina minha produção e meu modo de pensar o mundo e a possibilidade de representação em arte”.

Destacando a importância das cotas raciais nas universidades, o escritor Rafael Cardoso avaliou que a crise da arte no Brasil é uma reação de alguns setores ao fortalecimento de grupos que sempre estiveram à margem de direitos básicos, como negros e homossexuais. Mas ele é otimista. “De 1994 a 2014, formou-se uma geração de brasileiros que nasceu com cidadania. Eles têm a oportunidade de implantar uma resistência e uma transformação a longo prazo”, afirmou o autor de O Remanescente (2016).

Mariana Zanetti é de São Paulo, mas desde 2013 mora na capital alemã, onde trabalha como ilustradora para veículos como o Le Monde Diplomatique. Embora a crítica social seja recorrente em sua arte, ela avalia que, em Berlim, sua produção ganhou novo fôlego. “Comecei a ter uma demanda de trabalhos com um caráter social mais contundente”, disse, citando suas ilustrações sobre a Primavera Árabe e o caso Marielle Franco.

O desenhista e ilustrador Nik Neves, editor da revista Inútil, declarou-se um apaixonado por quadrinhos e fanzines. “Eu sou muito procurado para fazer trabalhos que têm a ver com lugares e viagens”, afirmou. “A ilustração me deu a chance de circular pelo mundo, o que eu adoro, e foi o que eu mais fiz nos últimos anos”, disse, enfatizando o deslocamento como intrínseco à sua produção.

Heterogeneidade e reflexão

A professora do LAI, Susanne Klengel, além de abrir o evento, participou como debatedora e destacou a força artística dos seis brasileiros. “Eu vejo, nos trabalhos de vocês, uma heterogeneidade de temas, materiais, obras, imagens e discursos. Além disso, fiquei impressionada com a intensidade reflexiva dos trabalhos que vocês estão fazendo”.

Partindo do contexto de crise da arte brasileira e considerando que os artistas vivem fora do Brasil, Susanne provocou: “Vocês se sentem em um autoexílio?” Além disso, a professora problematizou o lugar da arte e da poesia em tempos de digitalização e virtualidade. As questões  serviram de combustível para que o grupo fizesse as considerações que costuraram o debate.

“Toda a produção artística nos coloca no espaço do ‘entre’, que é qualquer coisa entre dois espaços. Eu acho que é um pouco isso que todos nós vivemos enquanto criadores ou pensadores e como seres fora do espaço de origem. Este espaço é, na minha opinião, o espaço da criatividade”. Com estas palavras, baseadas na filosofia de François Jullien, o mediador Leonardo Tonus sintetizou e encerrou o evento.

Estudantes, professores e artistas estiveram presentes ao debate que, na FU, foi acolhido pelas professoras Susanne Klengel e Zinka Ziebell. O evento integra a Printemps Littéraire Brésilien que, além de acontecer em Berlim, na Alemanha, tem edições na França, na Bélgica, em Luxemburgo e nos EUA.

 

Texto e fotos: Enio Moraes Júnior (eniomoraesj@gmail.com)

 

  

 
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Enio Moraes Júnior

Enio Moraes Júnior é um jornalista e professor brasileiro que vive em Berlim desde 2017. Na capital alemã, trabalha com produção de conteúdo online e escreve sobre estrangeiros que povoam as ruas da cidade.

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