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"Portugal é um mundo por descobrir" - entrevista com a cantora Ana Lains

Ana Lains (c) Promo.png

11/09/2018

Foto: © Promo

Ana Margarida Laíns da Silva Augusto, mais conhecida como Ana Laíns, nasceu em Tomar, e é uma cantora portuguesa que celebra a portugalidade em tudo o que canta - da música tradicional portuguesa ao Fado.

 

O primeiro álbum, “Sentidos”, foi lançado em 2006 e conta com interpretações de alguns dos poemas de eleição de Ana Lains, tais como Florbela Espanca, Lídia Oliveira, António Ramos Rosa. Em 2010 lança o segundo trabalho, no ano em que comemora 10 anos de carreira: “Quatro Caminhos” continua a sua incursão pelo Fado e pelas sonoridades da música tradicional portuguesa.

 

Ana Lains descreve-se como uma cantora versátil e colorida.  As suas muitas viagens e concertos pelo mundo fora deram-lhe uma visão mais completa da música “Tirei destas viagens as melhores elações, os melhores ensinamentos, e hoje vejo a música como uma forma de expressão livre e globalizada. Pode parecer um paradoxo, mas talvez este conhecimento seja o maior motivo da minha fidelidade ao Fado, à música tradicional e à língua portuguesa. Sou filha de um país magnífico, com uma cultura musical muito rica e inspiradora. Eu sou o resultado deste amor por uma portugalidade que foi, ao longo da história, provando que se pode ter uma identidade com tantas cores.”


"Portucalis" é o seu terceiro álbum, lançado em 2017, que celebra 18 anos de carreira. É também o trabalho que Ana Lains apresentará em palco em Berlim dia 14 de Setembro pelas 20h na Apostus Paulus Kirche.

Começaste a cantar em tenra idade: aos 15 cantaste o teu primeiro Fado e aos 21 começavas a fazer os teus primeiros registos em estúdio. Sabemos que gostas e cantas Fado, mas não só. Quais foram as tuas principais influências no início do teu percurso musical? Permanecem até hoje ou ganhaste também novas inspirações ao longo da tua carreira?

Eu adoro música. E sempre estive em contacto com ela de forma transversal. Sempre cantei de tudo um pouco, especialmente quando aos 19 anos me lancei na vida de cantora profissional, e tive de cantar em todo o tipo de ambiente (Casinos, hotéis, bares, festas populares, etc). As minhas raízes estão na música tradicional portuguesa, mas depois a vida foi-me apresentando muitos desafios, numa altura em que eu ainda não escolhia (ou selecionava) trabalho como faço agora, claro. Todo este percurso heterogéneo me enriqueceu, e tornou na cantora que sou hoje. Cantei Jazz, Pop, Folk, Hip-Hop, Soul, em português, francês, inglês, espanhol, Italiano, etc.... até em alemão eu já cantei! Quando comecei a gravar, foi como voltar a casa.... e reaproximei-me das minhas raízes (que no fundo fui sempre revisitando). Sempre soube que eu gosto é de cantar em português, e preferencialmente tudo o que seja música com cheiro a Portugal. Mas acho que hoje, aos 39 anos, eu sou o resumo de tudo o que vivi e cantei, e espero que a Vida ainda me prepare muitas surpresas, e que elas me continuem a enriquecer musicalmente, mas fundamentalmente, enquanto pessoa que ama ser portuguesa!

 

É inevitável a pergunta sobre o Fado e a sua popularidade actualmente. Pertences à geração de intérpretes femininas que contribuem para a modernização e divulgação do Fado - entre elas Mariza, Mafalda Arnauth, Kátia Guerreiro, Ana Moura, Carminho, Cuca Roseta, Gisela João ou Raquel Tavares. Achas que o Fado está de boa saúde e que as mulheres têm o protagonismo que lhes é devido?  

Eu não me sinto enquadrada neste leque de cantoras. Eu nunca fui fadista! Fui sempre uma cantora de caris tradicional que também canta Fado. Nenhum dos meus discos é um disco fadista. Todos são discos que reúnem a Portugalidade de uma forma mais global. Costumo dizer que a minha música e os meus concertos são sempre uma viagem de comboio com várias paragens e apeadeiros!!! Em cada paragem se tem um cheirinho novo, uma cor nova, um som que relacionamos com uma zona especifica do nosso país! Paramos no Fado, na toada das Beiras, nos pauliteiros do Douro, no Cante do Alentejo, nas rusgas minhotas, etc....

Por tudo isto, eu não sinto qualquer responsabilidade nas mudanças e metamorfoses que o fado tem vindo a sofrer, porque há 20 anos que eu faço a música que faço. E durante muitos anos eu sofri retaliações por ser assim! Lembro-me de algumas fadistas que me criticavam por misturar o fado com o resto, e agora fazem o mesmo!!! Eu sofri uma grande influência da grande Dulce Pontes, que nos anos 90 já misturava tudo com muita qualidade e grande trabalho de laboratório! Ela, também influenciada pela grande Amália, que na sua época já era uma grande revolucionária! Portanto, nenhuma de nós descobriu nada! Já tudo está descoberto há muito tempo!

O que acontece, efectivamente, neste momento é o acesso à massificação, e um súbito orgulho nacionalista que se traduz na música de uma forma inclusiva! Nos últimos 15 anos (e aí, muito por culpa da Mariza), o Fado começou a tornar-se “POP” e a pisar os palcos do maiores festivais, deixando de acontecer apenas nas casas de fado! Isso trouxe uma inevitável necessidade de o “amplificar” em termos de sonoridade, de forma a “encher” o palco! Porque o Fado na sua génese, será sempre um género de expressão intimista, e adequado a espaços pequenos. Ainda não sei se isso não virá a ser o fim do fado como o conhecemos! Vamos ver! Eu, pessoalmente, nunca o fiz de outra forma, e nas casas de fado continuo a cantar para me sentir próxima da sonoridade tradicional, tal como canto em Sintra, na Taverna dos Trovadores, uma casa de Música tradicional, onde o respeito pelas nossas raízes e etnografia são o cartão de visita!

Quanto às mulheres ocuparem o lugar devido, curiosamente, o Fado deverá ser uma das maiores excepções à regra, num mundo onde os homens sempre se souberam impor! As mulheres sempre tiveram mais “saída” enquanto cantoras de Fado do que os homens, e eu acho isso profundamente injusto, pois alguns dos maiores fadistas da actualizade são homens: Ricardo Robeiro, Camané, Carlos Leitão...

 

"Portucalis" é o teu terceiro álbum, que descreves como um resumo da tua vida pessoal e profissional, dedicado integralmente à Portugalidade. Tem, por isso, uma espécie de resumo das influências da música portuguesa que tens vivido ao longo da tua carreira, do Fólclore ao Fado. Porque é importante para ti fazer uma comemoração da Portugalidade neste trabalho?

Porque cheguei a uma fase da minha maturidade enquanto artista, que já me permite fazer muitas afirmações. Depois de quase 20 anos como profissional em busca de uma identidade própria, senti que era o momento de me dar por inteiro, sem medo do que o mercado pudesse pensar! E esta tour actual tem-me mostrado que fiz muito bem em seguir o meu coração. As pessoas, essencialmente no estrangeiro, têm ficado sempre muito curiosas em relação a alguns dos elementos étnicos que incluo no concerto.

Depois, há o respeito que tenho pelas minhas raízes, e o orgulho que tenho na nossa diversidade cultural! Tudo isto aliado à forma como encaro a minha “missão” na música portuguesa! A música e a forma como a executo, está directamente relacionada com a mensagem que tenho para o mundo: Amemos os nossos pais, não nos esqueçamos de onde viemos, defendamos o que é nosso. Porque só assim saberemos respeitar a identidade dos outros também! E este para mim, é o verdadeiro princípio da globalização saudável.

 

Disseste também em entrevista que Portucalis é um país onde vivem os teus sonhos todos os dias. Podes descrever-nos como é esse país?

Portucalis é um país onde as pessoas têm orgulho em ser portuguesas, onde respeitam os outros povos e as influências que nos deixaram. Um país onde não existe mágoa pelo passado de colonizadores e colonizados, e pelo contrário, há muita fraternidade e esperança no futuro! É um país onde se defende o conceito de “Eu colectivo”, e cuidamos uns dos outros com muita compreensão e carinho, compreendendo que todas as pessoas têm as suas circunstâncias, e são apenas o resultado das suas próprias lutas!

E por fim, é um país onde a Língua portuguesa é respeitada e preservada! Neste disco eu canto em galaico-português e em Mirandês, como forma de tributo à memória! E lamento que o Mirandês, nossa 2a Língua oficial, não seja estudada na escola!

 

Para este álbum contaste com colaborações com Mafalda Arnauth, Filipe Raposo, Luis Represas ou Ivan Lins. Como foi trabalhar com estes grandes nomes da música?

Foi muito bom. São pessoas que fazem parte da minha vida, da minha história, e foram escolhidos por isso mesmo! São grandes profissionais, que me influenciaram muito ao longo da minha busca, e que hoje fazem parte da minha vida, não só profissionalmente, mas pessoalmente também! São, se dúvida, uma celebração, dentro da celebração que é este disco para mim!

 

Defines-te como uma apaixonada por Portugal, uma cantora que gosta de cantar em português e se dedica à divulgação da etnografia e da língua portuguesa. O que tem de especial para ti a língua portuguesa e o cantar em português?

Tudo! Ter de explicar isto, é ter de explicar porque sou como sou, e isso eu não consigo fazer! Eu sou assim naturalmente. Mas como vivemos num mundo cada vez mais globalizado de uma forma selvagem e desleal para com a identidade dos povos, eu sempre senti a pressão de ter a obrigação de “cativar” a atenção das pessoas para o facto de sermos donos de uma das mais importantes Línguas do Mundo. Somos a Língua mais falada do Hemisfério Sul. Somos mais de 300 milhões de falantes de português. Temos a honra de partilhar a nacionalidade e a Língua com alguns dos mais importantes escritores da História (Camões, Fernando Pessoa, etc). O nosso dicionário tem mais de 500.000 palavras!!!! Tudo isto é muito inspirador, e uma descoberta constante e diária!

E sinto que vou morrer um dia, sem ter feito tudo o que queria fazer com as nossas formas de expressão! Como é possível sermos um país tão pequenino, e simultaneamente, um dos países mais ricos do mundo em termos culturais e históricos? Portugal é um Mundo inteiro por descobrir! E devem ser os portugueses, os primeiros a querer desvendar e engrandecer o nosso “Portucalis”.

 

Por último, o que pode o público esperar do teu concerto em Berlim? 

A viagem de que falei! Muito Fado, muitos ritmos portugueses, muitos sorrisos, muita poesia... e principalmente... muitos abraços a todos que quiserem partilhar comigo este momento. Amo cantar na Alemanha, e nunca esquecerei o primeiro concerto que fiz em Berlin, na Passionskirche. Quero repetir essa emoção de há 6 anos atrás.

Entrevista realizada por Rita Guerreiro

Rita Guerreiro

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Licenciada em Audiovisual e Multimedia pela ESCS – Escola Superior de Comunicação Social (Lisboa), chegou a Berlim em 2010. Depois de ter participado em vários projectos de voluntariado e iniciado o Shortcutz Berlim, juntou-se à nova equipa Berlinda em 2016 e é desde então editora do magazine, para o qual contribui com vários artigos e entrevistas. 

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