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“Não há arte mais directa para trazer emoção do que a música” - entrevista a Salvador Sobral

Salvador Sobral (c)  Ana Paganini.jpg

16/04/2019

Foto: ©Ana Paganini

Salvador Sobral é, para muitos, o vencedor do Festival Eurovisão da Canção. O cantor e compositor português foi catapultado para a fama ao ganhar a competição musical europeia em 2017 com o tema “Amar Pelos Dois”, escrito pela irmã, Luísa Sobral, e ficou-lhe o rótulo. Mas Salvador Sobral, que começou por estudar Psicologia em Lisboa, vinha construindo já uma bagagem musical considerável antes sequer de bater os recordes de pontuação do certame e conseguir o feito histórico de trazer o troféu pela primeira vez para Portugal.

 

Em 2009 participou no programa de televisão Ídolos, onde chegou a estar entre os quinze finalistas. Viveu nos EUA, depois em Espanha, onde estudou música moderna e jazz na prestigiada escola de música Taller de Musics em Barcelona, tendo voltado a Portugal em 2016 para lançar o seu álbum de estreia, “Excuse Me”. Depois de 2017 quase todos sabem a sua história, incluindo o projecto de rock electrónico liderado pelo pianista Júlio Resende, Alexander Search, que apresenta canções desenvolvidas a partir da poesia inglesa de Fernando Pessoa e do qual é vocalista. Em Março deste ano lançou o seu segundo trabalho a solo “Paris, Lisboa”, cujo nome e capa prestam homenagem ao filme de Wim Wenders “Paris, Texas”. Inclui duas colaborações especiais com António Zambujo “o músico que eu mais admiro” e Luísa Sobral, que continua a acompanhá-lo na sua carreira musical. “Ela é uma parte muito importante da minha carreira e da minha vida no geral”, disse o músico à Berlinda.

 

Salvador Sobral está em tour na Alemanha, com concertos em Essen, Frankfurt, Hamburgo (esgotado), Berlim (esgotado), Nuremberga e Estugarda (esgotado). A propósito do concerto em Berlim dia 27 de Abril no Heimathafen Neukölln (Karl-Marx-Str. 141, 12043 Berlin), a Berlinda falou com Salvador Sobral sobre a Eurovisão, a carreira que vem solidificando nos últimos anos e o novo álbum acabado de lançar, passando pelo transplante de coração e a nova “realidade terei de enfrentar”, como canta na música de abertura do álbum. O músico mostrou ser igual a si próprio: frontal, pragmático e muito acessível, deixando inclusive o seu palpite sobre o vencedor da Eurovisão deste ano.


 

Como surgiu este convite para vir a Berlim e o que preparaste para o concerto com o teu trio de Jazz, leia-se Júlio Resende, André Rosinha e Bruno Pedroso? Trazes “Paris, Lisboa”? E “Amar pelos dois”?

O convite surgiu da agência internacional, que é a Bles. Ligaram-me e disseram “É possível haver uma tour na Alemanha”. E eu disse “Na Alemanha? Alguém quer ouvir a minha música na Alemanha?”. “Parece que sim, vamos fazer uma tour”. Então pronto, foi assim que surgiu. Eu nunca estive na Alemanha, portanto é a primeira vez. Depois perguntas o que trago. Sim, o “Paris, Lisboa” vem, e também algumas canções do primeiro disco. Talvez algumas canções que não estão em nenhum dos discos. “Amar pelos dois”, claro. Como vai faltar a canção que nos trouxe a todos aqui? Ela vai ter que estar presente, claro.

Portanto não conheces Berlim. O que mais te entusiasma na oportunidade de vir tocar à capital alemã?

Não, nunca estive em Berlim, mas tenho muita vontade de conhecer porque dizem que é uma cultural hub. Que há muita cultura, que respira e transpira arte e eu quero muito conhecer essa cidade.

Podes falar-nos um pouco deste teu novo álbum - o primeiro tema “180, 181“, colaboração com António Zambujo e a tua irmã, Luísa Sobral?

É um álbum com canções minhas, algumas canções de compositores que eu convidei e que admiro muito. O primeiro tema “180, 181” é um tema de catarse sobre a minha experiência traumática hospitalar e clínica. É um tema de bastante destruição. Vomitar todas essas emoções para depois começar verdadeiramente o álbum com “Presságio”, para que seja um disco assim com mais luz, mais alegria e mais cor. Colaborei com a minha irmã, obviamente. Ela é uma parte muito importante da minha carreira, e da minha vida no geral, e eu queria muito que ela estivesse presente no disco, não só a compor mas também a cantar. Depois o António Zambujo é o músico que eu mais admiro, e o “Mano a Mano” é feito para ele. A cadência alentejana é boa para ele, e foi uma ideia tê-lo a cantar neste disco que ficou muito bem, porque ficou uma versão bastante íntima do “Mano a Mano”.

Tu és do jazz, como disseste em entrevista há poucos dias. De onde vem esse interesse e quais as tuas influências?

Olha, descobri o jazz em Maiorca, na verdade. Já conhecia algumas coisas típicas, Ella Fitzgerald e Louis Armstrong. Mas depois, em Maiorca conheci Chet Baker e fiquei completamente apaixonado. Saquei logo os solos dele e as intros e percebi a liberdade do jazz e a comunicação que existe nesta música. Foi mais isso que me cativou, a liberdade, a comunicação e a improvisação. E o risco, o facto de ser uma música de risco constante. Tentativa-erro, eu adoro isso. É o que mais me cativa no jazz. Influências vão desde o Chet [Baker] ao Miles [Davis], Lee Morgan, [John] Coltrane, Dexter Gordon, que gosto muito, até à malta mais contemporânea, como é o  [Keith] Jarrett e o [Brad] Mehldow. Gosto muito agora do Ben Welden que é um gajo de Nova Iorque que anda aí a bombar.

O que mudou deste 2017 na tua carreira após teres ganho o Festival Eurovisão da Canção?

Mudou muita coisa. Desde o público para quem toco, que é mais vasto, os sítios onde tocamos, que são teatros. Temos tido a sorte de tocar em teatros e festivais com prestígio e muito bonitos. Isso também é mérito da agência, que nos tem levado a sítios muito bonitos. Os pianos também mudaram, são pianos muito bons agora. O cachet também mudou, agora é mais alto (risos). Consigo fazer com que a minha música chegue a um grande número de pessoas no mundo, e isso é óptimo e estou muito agradecido por isso. Então foi isso que mudou: a notoriedade, os sítios e a quantidade de público.

 

Ainda que não o consideres propriamente a tua praia, deu-te pelo menos exposição mediática, bem como reconhecimento a nível nacional e internacional, certo?

Sim, claro. Deu-me toda esta exposição. Não há nenhuma outra rampa que te permita tocar para 200 milhões de pessoas em 3 minutos, que foi o que aconteceu na Eurovisão. Não é que não considere a minha praia, a canção que eu cantei era perfeitamente a minha praia, por isso eu fui lá à minha praia.

Não é por acaso que o teu concerto em Berlim já está esgotado quase um mês antes?...

(Exclamação inicial “O concerto em Berlim está esgotado também?!") Olha, não sabia. Deste-me uma novidade. Fico muito feliz.  

 

Não terminaste o curso de psicologia e dizes que “a enorme paixão pela música levou a melhor”. Mas no fundo acabas por utilizar a música um pouco como forma de psicoterapia, isto é, através dela falas sobre os teus problemas, dificuldades, medos, emoções, etc.?

Sim, tens toda a razão. Eu adoro pessoas… Eu não sei se foi a música que fez com que eu chegasse às pessoas ou se foram as pessoas que fizeram com que eu chegasse à música. Mas adoro fazer psicoterapia com as pessoas através da música. Psicoterapia para mim e para as pessoas que a ouvem e que sacam todo o tipo de emoções quando ouvem música. Não há arte assim mais directa para trazer emoção do que a música, não é?

E, para acabar questão inevitável, que também também daria pano para mangas para um estudo sobre gostos musicais e não só… o que opinas sobre o representante português da Eurovisão este ano? Vais torcer por Portugal?

Na verdade eu ainda nunca vi a Eurovisão. Porque nunca tinha visto antes de ir e depois estive lá e portanto não vi nestes dois últimos anos. Aquilo que ganha a Eurovisão, do que eu tenho visto, é o factor diferença e o factor choque. Uma coisa chocante e diferente. O Conan Osiris tem tudo isso, portanto eu acho que ele é um possível candidato à vitória. Vamos lá ver o que acontece.

 

Onde vão ser os teus próximos concertos depois da tour pela Alemanha? Segues para Zurique a 1 de Maio e depois?

Há Finlândia, Barcelona, Madrid, Valência... Há uma tour em Espanha muito grande. Há os coliseus do Porto, Lisboa e o teatro de Faro. Depois havemos de ter França, Itália, tudo! Vamos ter tudo, mulher! Não, Itália não sei. Mas vamos ter Escandinávia, Londres… e pronto, estão aí a fechar-se umas datas.

Rita Guerreiro

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Licenciada em Audiovisual e Multimedia pela ESCS – Escola Superior de Comunicação Social (Lisboa), chegou a Berlim em 2010. Depois de ter participado em vários projectos de voluntariado e iniciado o Shortcutz Berlim, juntou-se à nova equipa Berlinda em 2016 e é desde então editora do magazine, para o qual contribui com vários artigos e entrevistas. 

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