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Piripkura – os últimos da sua tribo - entrevista com a realizadora Mariana Oliva

Piripkura (c) Renata Terra, Bruno Jorge,

20/12/2018

Fotos: © Mariana Oliva, Renata Terra e Bruno Jorge

Estreou em Berlim no dia 30 de Novembro no Hackesche Höfe Kino o documentário “Piripkura”, de Renata Terra, Bruno Jorge e Mariana Oliva. O filme foi vencedor do prémio de melhor documentário do Festival do Rio em Outubro de  2017, bem como do prémio de direitos humanos no Festival Internacional de Documentários de Amsterdão - IDFA, no mesmo ano. Está também pré-indicado aos Óscares 2019 na categoria de Melhor Documentário.

 

“Piripkura” trata a história de Pakyî e Tamandua, dois índios que sobrevivem ainda no meio da floresta amazónica, mais concretamente na região fronteiriça de Mato Grosso, Rondônia e Amazonas. Rita completa o trio Piripkura. Irmã de Pakyî, deixou a floresta e aprendeu um pouco de português. A terceira sobrevivente Piripkura conta algumas histórias violentas sobre membros da sua família que foram assassinados pelo “homem branco”. Mas em primeiro plano está, sem dúvida, o trabalho de Jair Candor, um funcionário da FUNAI - Fundação Nacional do Índio, que trabalha há mais de duas décadas em prol da protecção e promoção dos direitos dos povos indígenas.

 

Jair Candor faz trabalho de campo e organiza expedições com a sua equipa pela floresta à procura de vestígios da presença indígena. Só assim pode garantir a renovação do certificado que mantém a área interdita e evitar assim que aquelas terras venham a ser exploradas por “madeireiros, fazendeiros, ou eu sei lá”, como desabafa no documentário. É notável a sua dedicação e empenho, mas também - e sobretudo - o respeito que demonstra pelos índios e seus costumes. Jair é um homem simples, autenticamente apreensivo quanto à sua sobrevivência “A preocupação de acontecer um problema maior é se um madeireiro ou um garimpeiro se encontrar com eles. Mas eles morrerem assim por uma doença vai ser bem difícil”.

 

A Berlinda entrevistou Mariana Oliva, uma das realizadoras do documentário, que nos contou como surgiu a ideia do filme, como decorreram as filmagens na Amazónia e de que forma a trajetória dos dois índios é representativa da opressão a que os povos indígenas foram - e são - sujeitos ao longo da História do Brasil.

 

“Os indígenas já habitavam as terras brasileiras muito antes da invasão europeia”

 

A situação dos povos indígenas no Brasil é delicada. Como é que se pode explicar ao cidadão comum que os índios têm tanto direito às suas terras como os fazendeiros, madeireiros, garimpeiros, etc.?

Os indígenas já habitavam as terras brasileiras muito antes da invasão europeia, no séc XVI. Eles têm seu modo de vida, seus costumes, sua espiritualidade ligadas à terra onde vivem e onde viveram seus antepassados. A demarcação de terras indígenas é uma conquista da democracia, consolidada com a Constituição Federal de 1988. O direito à terra é uma equação bastante difícil no Brasil, porém, além do direito de moradia, a exploração é altamente visada por empresas e pessoas. No entanto, essa exploração é raramente feita com os devidos cuidados necessários para garantir a sobrevivência dos ecossistemas e, consequentemente, da biodiversidade e fontes de água para as futuras gerações. Tragédias como a do rompimento da barragem de uma mineradora em Mariana, estado de Minas Gerais, alertam que mesmo empresas de grande porte não conseguem explorar e garantir a preservação ao mesmo tempo. Quando as terras indígenas são sobrepostas ao mapa do desmatamento da Amazônia, por exemplo, percebe-se que as áreas de reservas indígenas estão entre as mais preservadas da região. Portanto, além do direito ancestral à terra, os indígenas, quando garantidos seus direitos culturais e sociais, são os melhores agentes de preservação das florestas ao seu redor. As Terras Indígenas funcionam como barreiras para o desmatamento e são estoques de carbono e de imensa biodiversidade, realizando também uma importante função para o mundo em relação aos desafios climáticos.

Para além de mencionar o tão discutido problema da desflorestação da Amazónia, "Piripkura" coloca em foco a importância dos direitos humanos e civis. Porquê?

No modo de vida tradicional dos povos indígenas, a preservação da floresta e os direitos humanos e civis estão intimamente interligados. Eles são interdependentes e se fortalecem mutuamente. Garantir o direito ao modo de vida autônomo e tradicional dos povos indígenas na Amazônia é assegurar a preservação da floresta. Mas os desafio são enormes. O conflito de terras no Brasil é ainda muito violento e tende a crescer. Este cenário está associado ao relatório recentemente publicado pela Anistia Internacional que aponta o Brasil entre os países mais perigosos nas Américas para quem atua na defesa dos direitos humanos. Essa violência contra os defensores de direitos humanos está voltada principalmente contra aqueles que lidam com questões indígenas, disputa de terra e violência policial.

 

Após as eleições presidenciais de Outubro passado, como vêem o desenvolvimento deste cenário de constante perseguição e extermínio dos povos indígenas?

Mesmo durante a campanha presidencial, as falas do então candidato Bolsonaro já encorajavam as pessoas a tomarem atitudes violentas e de devastação. O posicionamento do presidente eleito, abertamente em favor do agronegócio arcaico e oligárquico, é um indicativo sombrio das políticas que poderão ocorrer daqui em diante. Em mais de uma oportunidade ele se declarou abertamente contra a demarcação de terras indígenas e, também, fez declarações infundadas sobre o suposto desejo dos povos indígenas de viver como "qualquer outro brasileiro". Bolsonaro desconhece qualquer cultura indígena, suas crenças e seus costumes, supondo que as mais de 200 etnias diferentes existentes em solo brasileiro queiram viver como um cidadão urbano, orientado para o mercado de trabalho e consumo. O novo presidente além de ter dado declarações preconceituosas, imprecisas e com dados errados a respeito da situação das demarcações de terras, afirmou recentemente que quer deslocar a FUNAI, instituição indispensável na defesa dos direitos dos povos indígenas, para outro ministério, movimento repudiado por diferentes setores, inclusive de procuradores que lidam com a questão indígena, no país.

 

Como não podia faltar, uma questão sobre a estreia de "Piripkura" nas salas de cinema alemãs: o que significa para vocês? 

É muito especial poder levar essa história de força e resistência dos Piripkura frente a uma história de violência e tragédia para outras culturas. E que esta história chegue aos alemães através deste espaço tão mágico que é o cinema é muito importante para a gente. O filme foi exibido nos EUA no início do mês, onde está na lista dos pré-indicados ao Oscar.

 

Por último, um apelo ao público: porque é que devem ir ver "Piripkura" ao cinema?

Tivemos o privilégio de registrar essa história tão importante para o nosso país junto com Rita, o Pakyî, o Tamandua e o Sr. Jair. E recebemos neste documentário um presente do acaso que é o encontro com Tamandua e Pakyî. Uma história de resistência frente à violência constante e agora crescente contra os povos indígenas. A relação entre eles e a força que eles transmitem é algo que fica, que te faz refletir sobre nossa forma de estar no mundo e que você levará dentro por um bom tempo.

“Uma história de resistência frente a violência constante e agora crescente contra os povos indígenas”

 

Mariana Oliva referiu ainda a declaração de Beto Marubo, importante líder indígena, em artigo publicado na Folha de S. Paulo este mês: “É urgente que a opinião pública brasileira mostre ao presidente Bolsonaro que é preciso pacificar o campo e respeitar aquelas etnias que ao longo da história não cansam de mostrar o desejo de viver de forma autônoma. Somos um raro país no planeta que pode ter essa oportunidade. Não podemos desperdiçá-la em nome da ambição de uns poucos oportunistas.”

 

Infelizmente, a história de violência, opressão e extermínio de que são alvo os Pirpikura não é propriamente um acontecimento novo. Através do cinema, estas narrativas vêm à luz e dão a volta ao mundo, alertando a comunidade mundial para o problema. A lista de filmes sobre o tema no Brasil é longa. Só este ano, estrearam “Ex-Pajé”, de Luiz Bolognesi, “Não devore o meu Coração”, de Felipe Bragança ou ainda “Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos”, produção luso-brasileira de João Salaviza e Renée Nader Messora.

 

Uma discussão que se arrasta há várias décadas no Brasil, o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas e a protecção das terras onde habitam volta a ser um tópico incrivelmente premente no país.

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Mariana é fascinada por línguas e expressões idiomáticas. Tradutora de profissão, tem um espírito de curiosidade aguçado. Por vezes sente-se culpada por não aproveitar melhor a oferta cultural da cidade. Chama casa a Berlim desde 2014. 

Mariana Lima

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Licenciada em Audiovisual e Multimedia pela ESCS – Escola Superior de Comunicação Social (Lisboa), chegou a Berlim em 2010. Depois de ter participado em vários projectos de voluntariado e iniciado o Shortcutz Berlim, juntou-se à nova equipa Berlinda em 2016 e é desde então editora do magazine, para o qual contribui com vários artigos e entrevistas. 

Rita Guerreiro

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