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Paulo Scott: “Existe no brasil um holocausto da etnia indígena”

Foto: Paulo Scott no Instituto Ibero-Americano de Berlim. © Enrique del Bianco para Berlinda.org

”A minha geração falhou”, diz Paulo Scott. O escritor gaúcho veio a Berlim a convite do Instituto Ibero-Americano a 9 de setembro de 2013 para falar sobre “Habitante Irreal”, um dos livros mais bem recebidos pela crítica da atualidade e que relata o clash cultural entre a população indígena e a classe média brasileira.

“Habitante Irreal”, lançado pela Editora Alfaguara em 2011, começa com o encontro entre um jovem estudante de direito de 21 anos e uma indiazinha de 14, que vive num acampamento à beira da autoestrada.

 

Os dois se envolvem emocionalmente, mas o abismo entre ambos e a incapacidade de entrar no mundo do outro dita o afastamento dos dois. Essa incapacidade de comunicação será personificada ao extremo em Donato, o filho comum, que cresce como índio num ambiente de classe média, educado num bom colégio internacional e sempre se sentindo como peixe fora de água.

Fora do seu lugar, pairando na vida como num limbo, parecem aliás estar todas as personagens, habitantes irreais de um mundo que nunca é o seu. Desiludido com a militância e o rumo tomado pelos partidos políticos, Paulo abandona o Brasil para iniciar uma vida como squatterem Londres, arrombando casas abandonadas e vendendo o direito a ocupá-las. “Você tem de sair do seu país para entender o seu país.”, diz Scott. “O Paulo [do livro] busca o niilismo, ele quer ser niilista mas nem isso ele consegue.” Uma das personagens com as quais se envolve é uma bela mulher negra, a francesa Rener, que é modelo e lidera um bando de squatters. O próprio escritor faz jus à sua ascendência negra. “Eu me apresento como negro. É uma questão política. O meu pai é preto, então eu também sou preto.”

Por que razão existe na nossa sociedade um entrosamento com a população negra, mas não com os índios? E esse entrosamento, existe mesmo? “É bem difícil haver uma comunicação entre os vários mundos [que compõem o Brasil]. A questão central do livro talvez seja a da identidade brasileira. Há elementos essenciais da identidade brasileira que são incomunicáveis, por razões políticas e sociais.”

Paulo Scott estudou Direito, foi militante político no PT e presidente do Diretório Estudantil da PUC-RS (Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul). Apesar de ter um percurso em tudo semelhante à da personagem principal, não considera o romance autobiográfico: “O Paulo é muito diferente de mim. Mas o cenário é muito parecido.“ E tal como Paulo, também Scott abandonou a militância política após uma certa desilusão em relação ao rumo tomado pelo partido. “O PT não é tão bonzinho quanto as pessoas pensam”, afirma.

Uma das singularidades deste romance – que se lê de uma vez, de tal forma consegue agarrar o leitor com as reviravoltas e as situações inesperadas pelas quais passam as personagens – é dar voz a uma índia guarani. O tratamento dado aos índios pela Literatura é frequentemente o de seres exóticos, decorativos e sem honras de personagem principal. Faz bem encontrar Maína, ver o mundo pelos seus olhos, sem clichês. Até mesmo a sua descoberta da sexualidade é tratada aqui de forma natural. E ao mesmo tempo, dói ver a sua realidade crua, a falta e perspectivas, o tratamento gélido do governo. Ela suscita no leitor algumas questões: o que sabemos dos índios? E porque estão votados à indiferença e ao esquecimento, na literatura como na sociedade?

“Brasileiro adora coisa que não tem a ver com o Brasil. Gosta de falar do italiano nos Estados Unidos, do Holocausto judaico na Europa, etc… mas falar do índio, ninguém fala. Existe no Brasil um verdadeiro holocausto da etnia indígena. Nesse momento, enquanto falamos, tem famílias indígenas que estão sendo dizimadas com o apoio do governo. Mas ninguém fala disso, nem ninguém quer falar. Tanto que o meu próprio editor me dizia no princípio que esse livro não iria vender porque fala sobre os índios – e ninguém ia se preocupar com um livro de índios”.

O romance ganhou em 2012 o Prêmio da Fundação Biblioteca Nacional e  tem sido muito bem recebido pela crítica. Acaba de ser traduzido em alemão. Afinal, falar sobre os índios até pode estar começando a deixar de ser tabu.

Texto: Inês Thomas Almeida

 

  

 
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Ines Thomas Almeida

Inês Thomas Almeida nasceu na República Dominicana e cresceu em Portugal como bilingue e com dupla nacionalidade. Mudou-se para a Alemanha para estudar Canto na Escola Superior de Música e de Teatro de Rostock. Alguns anos depois de se instalar em Berlim, criou o magazine online Berlinda, e, mais tarde, o Festival Berlinda.

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