top of page

MAGAZINE

Há mar e mar, há ir e voltar

Muitos portugueses fazem as malas e deixam o país, destemidos, sem pensar num possível regresso. Outros levam Portugal e o azul do mar no coração e anseiam por voltar às origens. Pedro Monterroso e Marta Codeço contam-nos as suas experiências de vida na Alemanha, e explicam o porquê de um dia quererem voltar para Portugal – ou talvez não.

pedro-monterroso-c-luis-bompastor.jpg
marta-codeco-c-luis-bompastor.jpg

Fotos: © Luis Bompastor

Foto Rita.jpg

Rita Guerreiro

Licenciada em Audiovisual e Multimedia pela ESCS – Escola Superior de Comunicação Social (Lisboa), participou em vários projectos de voluntariado na cidade e iniciou o Shortcutz Berlin em 2011 com Humberto Rocha, Juntou-se à nova equipa Berlinda em 2016 e é desde então editora do magazine, para o qual contribui com vários artigos e entrevistas.

Natural de Amarante, Pedro Monterroso é sociólogo/assistente social e está em Berlim desde 2012. Já antes vivera na cidade, durante cinco meses em que estagiou numa escola bilingue e onde se apercebeu que havia falta de gente capacitada para trabalhar com crianças em Berlim. Findo o estágio, voltou a Portugal para trabalhar com crianças mas, terminado o contrato, resolveu voltar à Alemanha, atraído por boas oportunidades profissionais.

EDUCAR NOUTRA LÍNGUA

Consegues encontrar paralelos entre as cidades onde viveste em Portugal e Berlim?

É difícil estabelecer paralelos sem cair em lugares comuns. Sou originário de uma pequena freguesia serrana do concelho de Amarante e, apesar de gostar de viajar, ter estudado e vivido em lugares diferentes, sempre gostei de lugares pequenos e da natureza, das relações de vizinhança e pouco do anonimato. Para mim, o maior confronto em Berlim foi a questão cidade pequena versus metrópole e menos a questão cultural, até porque Berlim é uma cidade bastante aberta.

 

Desde 2012 a viver em Berlim, voltarias para Portugal um dia?

Nem tudo depende só de ti quando estás há seis anos num outro lugar. Constróis relações importantes e a minha companheira não acha essa ideia muito atraente. Se dependesse só de mim, sim, mas teria de me sentir muito mais respeitado como trabalhador. A diferença entre classes em Portugal é muito marcada comparando com a Alemanha, sendo que aquela coisa de tratar por “senhor”, “doutor”, “engenheiro”, me deixa muito irritado. Há também discrepâncias salariais muito grandes. A sociedade está ainda agarrada aos valores tradicionais que, de certa forma, protegem aqueles que têm mais poder. Mas não deixo de olhar para Portugal com muito otimismo, acho que há gente fantástica que ficou lá, mesmo depois da crise, e que está a fazer muito por uma sociedade mais aberta, mais desenvolvida. Também tento dar o meu contributo através do envolvimento com atores locais, seja através da escrita, do contacto com amigos, ou com atores políticos e sociais. Muitos dos jovens que não saíram durante a crise estão hoje a fazer muito por um Portugal pelo qual me orgulho.

Falando em crise, achas que algo melhorou em Portugal desde que emigraste?

Portugal, atualmente, parece-me em franca melhoria económica, tanto pelo investimento no turismo em larga escala, como na criação de pequenas empresas. Há muita gente com ideias empreendedoras a criar desde cerveja artesanal, pão biológico e até objetos transformados da cortiça ou aparas da vinha. A sustentabilidade entra com força no empreendedorismo. Portugal parece-me hoje um país mais dinâmico, mais integrado na economia global e com um nome “cá fora” que está a construir bem. Vejo que a minha geração se está a “mexer”, a criar networking e a ser muito mais dinâmica que na época pré-crise. Afinal, a necessidade aguça o engenho, não é como se diz?

 

FAZER CIÊNCIA FORA DO PAÍS E NO FEMININO

Natural de Padreiro (Santa Cristina), Arcos de Valdevez, Marta Codeço está a fazer um doutoramento em Geoquímica na Universidade de Potsdam/ GFZ, e vive nos arredores de Berlim desde julho de 2015. “Aqui é super prático, vivemos relativamente perto do GFZ e da estação principal”. Vai a Berlim com o marido frequentemente, para passear, fazer compras, ir ao cinema ou jantar fora. É licenciada em Geologia, com mestrado em Geologia Económica, e acha que Portugal não tem capacidade de investimento ou infraestruturas - laboratórios, instituições e centros de investigação - para reter cientistas no país.

 

Porque deixaste Portugal para vir para a Alemanha?

Por razões profissionais. Terminei a licenciatura em Geologia em 2012 e consegui uma bolsa de investigação de dois anos. Iniciei o Mestrado em Geologia Económica e, perto do fim, (estava ainda a escrever a tese) terminou a bolsa - e eu tinha uma renda de casa e propinas para pagar. Foi desesperante, pois eu já andava a enviar currículos há meses e nem respostas obtinha. O melhor que arranjei foi uma vaga num restaurante de fast-food com um horário horrível, mas que pagava as contas. Candidatei-me ainda a um estágio para trabalhar como geóloga de mina. O meu orientador disse: “fez bem tentar, mas jamais vai conseguir essa vaga porque lá não trabalham com mulheres”... Antes de entregar a tese, recebi um email de uma colega sobre dois PhD no GFZ-Potsdam. Como portuguesa e acanhada que sou, pensei: “jamais vou conseguir, no sitio que é e com as pessoas que se vão candidatar. Não vou ter hipótese, mas deixa-me lá pedir mais informações à pessoa responsável pelo projeto”. Expliquei que estava prestes a entregar a tese e que não tinha experiência em modelação numérica, mas que tinha muito interesse na temática do projeto. Pareceu interessado e disse-me para concorrer. Fui selecionada para vir cá dar uma apresentação para as pessoas da minha secção e depois fiquei.

 

Foi uma decisão fácil para ti?

Nunca pensei que conseguia a bolsa. Estranhamente, estava muito indecisa para vir, por inúmeras razões: era um salto gigante, mudar-me sozinha, língua nova, país novo, ninguém por perto para me apoiar. Mas o GFZ sempre a puxar por mim para aceitar, não o dizendo explicitamente, mas a tentar fazer-me ver os benefícios de vir para cá. Fui passear na cidade e tentar ver-me a morar aqui. Voltei para Lisboa, pensei bem no assunto, rescindi o contrato no restaurante, o arrendamento da minha casa e pronto; mudei a minha vida. Vim em julho, dois meses depois de ter vindo cá pela primeira vez dar a apresentação. Felizmente, o meu marido juntou-se a mim no fim de agosto de 2015. Mesmo tendo vindo à aventura, conseguiu trabalho ao fim de duas semanas num hotel de uma cadeia portuguesa. Já se tinha fartado de procurar algo melhor em Portugal, mas nunca conseguia. Cá, entretanto, já passou a efetivo e já subiu na carreira.

 

Após a vossa considerável melhoria de vida, pensam voltar para Portugal no futuro?

Depois de cá estarmos, qual é a vontade que temos de voltar para Portugal? Se voltar duvido que consiga arranjar um post-doc ou uma posição numa universidade; o meu marido nem sabe se arranja emprego… Para não falar da diferença salarial, dos impostos, dos benefícios em termos de desemprego, saúde, nível de vida, etc.

 

Viver noutro país é uma oportunidade para ver Portugal de fora, com uma distância que, por vezes, permite identificar melhor certos problemas e relativizar outros. Um sonho adiado para uns, voltar a Portugal torna-se uma utopia para outros. O mar, esse, ficou em Portugal para sempre.

Este artigo foi escrito em parceria com o Goethe-Institut de Lisboa encontra-se publicado na rubrica "Era uma vez...a crise" da revista cultural online do instituto. 

bottom of page