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"A Batalha de Tabatô": entrevista com João Viana

Foto: © realizador João Viana - Berlinda.org, Cartaz "Batalha de Tabatô" - Promo

O realizador português João Viana (nascido em Angola em 1966) está em Berlim para apresentar, novamente, a sua longa-metragem “A Batalha de Tabatô”, uma co-produção de Portugal e da Guiné-Bissau, que recebeu uma Menção Honrosa na categoria Melhor Primeiro Filme na Berlinale 2013 (Festival de Cinema de Berlim).

O filme passa-se na Guiné-Bissau, na aldeia de Tabatô, onde todos os habitantes são músicos. Um ex-combatente da guerra colonial regressa ao país para assistir ao casamento da filha, professora de História, com um dos músicos da aldeia. Mas os traumas provocados pela guerra não o deixam tranquilo. Os músicos da aldeia reúnem-se então para iniciar uma batalha: a música de Tabatô contra as recordações de um passado não muito distante.

“A Batalha de Tabatô” e a curta-metragem “A Piscina” de João Viana e Iana Ferreira vão ser mostrados dia 27 de novembro de 2013 no Kino Arsenal, Berlim.

A Berlinda conversou com João Viana  sobre o seu filme.

BERLINDA: Qual era a tua relação com a Guiné-Bissau e com a aldeia de Tabatô antes do filme?

JOÃO VIANA: Eu era assistente do Werner Schroeter, que é um realizador alemão, e vim cá para Berlim para a pós-produção do filme e para visitá-lo porque fiquei muito amigo dele. Nessa altura conheci um músico violinista alemão de formação clássica que viajava muito e que me falou que o sonho dele era ir para esta aldeia (na altura até me esqueci do nome da aldeia) para aprender música. Para mim, um músico de formação clássica que quer aprender em África era já um sinal de uma espécie de humildade e de mudança completa da nossa visão sobre África. A nossa visão de África está completamente errada, somos ignorantes, continuamos a pensar que eles são selvagens, que só andam à bulha, não percebem nada de nada, quando, se conhecermos bem, é um continente absolutamente fascinante onde não houve um corte com a antiguidade. Quando este miúdo me falou disto foi o início, pensei se calhar há aqui qualquer coisa… e o processo começou ai. Entretanto a minha relação com a Guiné-Bissau era zero. Eu sou Africano, Angolano, e sempre achei que o colonialismo é uma coisa terrível e a Guiné-Bissau foi o primeiro país a ser colonizado pelos portugueses, apanhou séculos e séculos de colonialismo e escravatura. Tudo o que é mau aconteceu ali. A minha relação com a Guiné-Bissau não era nenhuma e agora é imensa.

B: Aquilo que lá descobriste corresponde de alguma forma ao teu imaginário infantil?

JV: Eu fui para Portugal com 8 anos, um miúdo com 8 anos já percebe e lembra-se de muita coisa, mas claro acabei por criar o meu imaginário infantil. Não voltei lá muitas vezes, era caro e os estudos não permitiam. Estudar cinema em África era impossível. Fui algumas vezes a África mas sempre no âmbito dos festivais de cinema. Quando cheguei à Guiné-Bissau, todo o meu imaginário infantil surgiu com uma grande rajada. Passa-se algo muito mau na Guiné-Bissau, há uma energia muito negativa que envolve aquelas pessoas, não sei explicar. A sombra do passado ainda está muito presente.

B: Constando que houve, especialmente na Guiné-Bissau, muitas prisões e fuzilamentos a ex-combatentes africanos do exército colonial, achas que a personagem de Baio vem de algum modo ajudar a pacificar esse conflito? Isto ainda hoje representa um problema na sociedade Guineense?

JV: Baio não é uma personagem, ele é ele mesmo, faz o seu próprio personagem.

O que aconteceu no passado é que este tipo de pessoas foram fuziladas e muitas delas, como o Baio, fugiram. Mas não sei muito bem responder a esta pergunta, não sei se ainda se sente se não. Imagino que sim porque há muitas tensões e há muitas coisas que têm de ser resolvidas.

B: A aldeia de Tabatô pode ser vista como um exemplo para a construção da união nacional e a aceitação do outro?­­

JV: A Guiné é um pais pequenino mas com 33 grupos étnicos diferentes e entendem-se muito bem, o problema não é eles não se entenderem, o problema na Guiné não é a diferença étnica, são coisas esquisitas, é outra coisa… há uma coisa muito má, um sentimento mau que envolve este país. A aldeia de Tabatô é uma joiazinha que eles têm ali, é uma espécie de tesouro nacional. É sem dúvida um grande exemplo.

B: E o filme acaba por ser também um tesouro para a Guiné-Bissau…

JV: Eu gostava que sim, que deixasse raízes. Quando estávamos a filmar olhava para aquelas pessoas que me estavam a ajudar e pensava…deus queira que venham daqui futuros realizadores. O cinema é muito importante para criar consciência, consciência nacional.

B: Este filme tem muitos elementos animistas. Sentiste que a forte influência islâmica na região está afetar essa cultura tão ligada à magia?

JV: Esse é outro dos problemas que eles têm e é dramático para eles. Eu também senti isso, mas só ao fim de bastante tempo. Mas é terrível essa questão. Na História os colonialistas disseram sempre que havia uma África branca e uma África negra, e há o caso da Guiné-Bissau que está no meio e é a prova de que não há África branca e África negra. Eles têm ali o lado animista e o lado islâmico e é híper contraditório, mesmo para eles e não se sentem bem com isso. Primeiro porque são músicos e o Islão não aceita a arte da mesma maneira. Isto é muito contraditório porque eles ali são profundamente religiosos, são muito sérios, cheios de princípios e têm realmente o conhecimento da História. Ao mesmo tempo ainda têm um lado animista e conservam a música. O Islão tem um peso muito grande, mas oxalá não deixem de conservar a música, o lado criativo e humano, e não se transformem em robôs. Na aldeia de Tabatô este problema revela-se de forma muito dramática, eles pensam nisto todos os dias.

B: Achas que este filme ajuda o espectador europeu a ganhar uma maior consciência acerca da realidade Africana e mais especificamente da Guiné-Bissau?

JV: Sim, acho que sim, pode ser uma espécie de princípio mas é preciso haver mais coisas, é preciso haver muitos filmes.

No início a consciência do mundo estava no Teatro, morreu Brecht e o teatro ficou um bocadinho sem pai. Depois a consciência estava também muito na literatura, mas morreu James Joyce e a coisa ficou um bocadinho… depois aparece o cinema que aprendeu da literatura, da música, do teatro. Os grandes realizadores vêm todos destas grandes tradições. Depois da segunda guerra mundial a consciência do mundo estava no cinema em França e Itália, e agora, hoje, está no terceiro mundo, está onde há problemas, onde há fome, guerra. Hoje o grande cinema está todo na América Latina, em África, na Ásia. Claro que há bons filmes na Europa, mas os filmes na Europa e nos EUA são o espelho da nossa alienação, por muitos bons filmes que sejam, só reflectem o estado em que nós estamos, profundamente metidos no capitalismo e nesta máquina. Por isso esta frescura Africana, esta vontade de saber o que se passa ali. Mas há ainda um desconhecimento enorme em relação a África.

B: Houve então ainda pouca reflexão sobre África?

JV: Não sei se houve se não houve, ou se houve mais uma espécie de manipulação colonialista e mesmo de destruição. No século XVI, nós, os Europeus, chegámos e destruímos documentos para impormos a nossa cultura, como se não existisse nada antes. É evidente que houve arqueólogos Ingleses que disseram que o Homem vinha de África. Custou mas já engolimos esta ideia, mas ainda não engolimos que a cultura moderna tenha vindo de África. A cultura moderna começou, na verdade, na África do Sul. Descobriu-se uma seta sofisticadíssima com 44 mil anos, uma flecha riquíssima cuja ponta era feita com osso e estava colada com cera, quer dizer que eram apicultores. Os senhores africanos “selvagens” eram apicultores. E há muitas outras coisas assim, está tudo muito mal contado… e um dos grandes culpados é o Hegel. O Hegel escreveu um livro que se chama “Filosofia da História”, o senhor Hegel escreve assim “África não pode ter história”, mais adiante escreve “Os Africanos não podem desenvolver cultura nem podem desenvolver História, não têm capacidade”. Isto influenciou de tal maneira e foi um peso enorme. Mas a coisa mais engraçada, o livro do Hegel chama-se “Filosofia da História”, mas quem inventou a filosofia da História foi um Africano do século XIII… A História tem de ser completamente re-escrita…

B: O filme já foi mostrado na Guiná-Bissau? Como foi lá recebido?

JV: Não, mas vai ser mostrado. Há uma organização alemã WFD que irá ajudar a mostrar, porque não há outra maneira. É muito importante que eles vejam. Alguns membros da aldeia viram o filme, porque era essencial que o vissem e gostaram muito. Mas ele tem de ser mostrada às pessoas na Guiné.

B: Depois do sucesso com “A Batalha de Tabatô” quais são os teus projetos para o futuro? Há já planos para um novo filme?

JV: Sim, quero estar sempre ligado, de alguma forma, a África. Há já planos para um filme na ilha da Reunião, ao pé de Madagáscar e um filme em Moçambique.

B: Será mais um filme ligado ao colonialismo e à guerra?

JV: Não sei, parece que os realizadores acabam por repetir sempre a mesma história, não é? O colonialismo e a guerra estão ainda muito embrenhados dentro da sociedade moçambicana. É difícil fazer um filme em Moçambique sem abordar estes temas. Eu acho que temos de correr riscos, é importante correr riscos. É estranho se fazemos sempre filmes que agradam a todos, por isso gosto sempre quando um realizador faz um filme que teve menos sucesso, significa que não teve medo de correr riscos.

Esta entrevista foi feita por Inês Alves, em 14.11.2013

 

  

 
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