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“Podes aprender onde quer que estejas se estiveres rodeada das pessoas certas” - conversa com Joana Ribeiro

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18/03/2020

Foto: : Evento de apresentação das Shooting Stars à imprensa durante a 70. Berlinale.

Da esquerda para a direita: Levan Gelbakhiani (Geórgia), Ella Rumpf (Suíça),

Bartosz Bielenia (Polónia) e a portuguesa Joana Ribeiro.©Berlinda.org

Começou a dar os primeiros passos na representação em 2012 e já foi das telenovelas às séries e filmes. De facto, é conhecida dos portugueses pelos inúmeros papéis que já desempenhou em quase todos os canais de televisão. Estreou-se na telenovela “Dancin’ Days”, uma parceria SIC/TV Globo e um remake da telenovela brasileira com o mesmo nome, exibida pela TV Globo em 1978-1979. Em 2016 estava na TVI a participar numa nova novela, “A prisioneira”. No ano seguinte foi protagonista da série histórica “Madre Paula” na RTP, uma adaptação do livro português homónimo, da autoria de Patrícia Müller. Joana Ribeiro era Madre Paula, uma mulher de família pobre que é mandada para um convento pelo pai e se envolve num romance secreto com o Rei D. João V, interpretado por Paulo Pires.

 

No cinema destacam-se as participações no drama luso-francês “A uma hora incerta”, de Carlos Saboga (2015) ou o muito falado “The Man Who Killed Don Quixote” (2018), do realizador americano Terry Gilliam, com base no romance “Dom Quixote” do autor espanhol Miguel de Cervantes. Joana Ribeiro é Angélica e contracena com actores como o americano Adam Driver, o britânico Jonathan Pryce, a espanhola Rossy de Palma ou a ucraniana Olga Kurylenko. O filme, fruto de um esforço de 30 anos para o tornar real por parte do realizador Terry Gilliam, teve estreia em Cannes em 2018 e trouxe uma visibilidade internacional inigualável à actriz portuguesa. No mesmo ano gravou “Fátima”, do realizador italiano Marco Pontecorvo e “Linhas Tortas”, da portuguesa Rita Nunes, que a trouxe este ano ao programa Shooting Stars em Berlim.

 

Participou ainda em “Infinite” (2019) do realizador americano Antoine Fuqua e em “Um fio de baba escarlate” (2019), de Carlos Conceição. Esta é a segunda longa do realizador português nascido em Angola, que passou pela Berlinale no ano passado com “Serpentário”. Conta a história de um serial-killer de Lisboa cuja vida é abalada quando um incidente insólito o transforma numa estrela das redes sociais. Joana Ribeiro disse ao PT Post que as rodagens deste filme foram “duas semanas muito cansativas, mas muito compensadoras”. A actriz faz ainda parte do elenco da série americana “The Dark Tower”, baseada na obra literária de Stephen King e produzida pela Amazon.

 

Com uma descontracção e simpatia notáveis - e sob o olhar orgulhoso da sua agente que a acompanhou ao Festival de Berlim - Joana Ribeiro falou ao PT Post sobre a sua carreira desde a primeira telenovela, em que teve logo o papel de protagonista, às séries e ao cinema. Por entre os vários pedidos de entrevistas e fotografias ao longo da manhã de apresentação à imprensa, sublinhou ainda a importância de apostar nas produções portuguesas e a urgência de começarmos a “gostar mais daquilo que fazemos e gostar mais de nós próprios”.

 

 

Antes de pensares em ser actriz, começaste por estudar arquitectura, não sei se chegaste a acabar o curso? 

Não, não, não. Adorava ter acabado, iria tornar-me uma pessoa muito mais inteligente…

 

Ainda estás a tempo de o fazer…

Hmm… Não sei. Eu tive um professor na secundária, o Santa-Rita, que foi das pessoas que mais me marcaram. Era um professor incrível. Foi por causa de geometria descritiva que eu quis ir para arquitectura. O meu pai é engenheiro civil, e eu, que não fazia ideia do que queria ser, achei que arquitectura era a coisa mais óbvia. Até porque eu tive uma professora de desenho que me dizia: tu desenhas pessimamente, nunca vais ser ninguém. Não sabes fazer uma cara humana. (risos) Portanto eu sabia que não podia ser nada relacionado com pintura e com desenho, mas arquitectura parecia-me possível. Eu gostava muito de geometria descritiva, adorei axonometrias, aquilo abriu-me todo um mundo. Mas depois não estava a 100% no curso, não senti que fizesse sentido…

 

Isso foi em que Universidade?

Na FAUL [Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa]. Foram seis meses interessantes. 

 

Seis meses só? Foi aí que surgiu a tua primeira oportunidade na telenovela Dancin’ Days?

Sim. O meu pai dá muita importância aos estudos, mas também nunca quis que eu e o meu irmão fizéssemos algo de que não gostássemos. E o que o meu pai sempre me disse foi: podes ser o que quiseres, desde que tires boas notas. Não é porque queres ir para uma coisa menos trabalhosa que vais ter média de 12. Portanto, se entrares nas melhores faculdades públicas de arquitectura eu depois deixo-te ir fazer o que tu quiseres. E, como eu entrei, depois pensei que talvez quisesse ir fazer outra coisa. Tive a sorte de ter o apoio dos meus pais e aí surgiu o casting [Dancin’ Days], foi o meu pai que me disse até. Eu na altura era bastante snob em relação à televisão e achava que não fazia sentido, nunca vi telenovelas e não queria fazer telenovelas. Queria ir estudar e fazer teatro, ir para fora. O meu pai disse-me: a probabilidade de ficares é mínima, porque é que não vais só ver como é e como é que corre? E pronto, fui e depois fui passando, passando, e às tantas pensava: se calhar eu tenho que lhes dizer que não quero… (risos)

 

Só foste ver como é que era...

Exacto. Eu pensava: não quero fazer novelas, estou a roubar o lugar a alguém… mas de repente tive uma conversa com a Laís Correia, a directora de actores da novela, e percebi que poderia ter alguma coisa a aprender e que há bons actores a fazer novelas, boas equipas a fazer novelas e realmente podes aprender onde quer que estejas se estiveres rodeada das pessoas certas. E foi assim que começou.

 

Isso leva-me àquela pergunta típica sobre cinema e televisão e o que é melhor ou pior para um actor. Falaste daquela questão de as novelas terem um ritmo muito mais acelerado de gravação, em que fazes 30 cenas por dia, e depois em cinema é tudo feito mais lentamente, uma cena por dia. 

Sim, estás na boa. Só tenho que decorar uma cena? Está óptimo, 'bora! (risos)

 

Estivemos aqui nas Shooting Stars com a Victoria Guerra há três anos e também falámos sobre isto. Na altura ela defendeu que essa aprendizagem enquanto atriz ou actor é possível em ambos os formatos.  Qual é a tua opinião?

Acho que o perigo é fazer muito de uma coisa só. É importante ir variando, porque depois podes ficar presa a essa fórmula e isso não é bom. Eu acho que fazer novelas, séries, cinema, teatro, ir fazendo um pouco de tudo e ao mesmo tempo descansar, talvez ir estudar, fazer uns workshops; isso é bom. E mantém-nos activos. Eu aprendi muito com as novelas. Lá está, tive a sorte de ter trabalhado com pessoas incríveis, de ter uma agente espetacular, que me direcciona para os sítios certos. Eu acho que tudo isso é importante, porque é tão fácil perderes-te, não é? Num sítio ou noutro. Há tantos actores que só fizeram teatro e depois a uma certa altura querem começar a fazer televisão ou cinema e é difícil. Quando fazes muita televisão e depois queres passar para o teatro ou para o cinema é complicado… É bom ir fazendo um pouco de cada coisa, ir aprendendo e renovando aquilo que sabes. Acho que todas [as áreas] são importantes.

 

O reconhecimento que tens do público português vem das novelas, certo?  

Sim, sim, sem dúvida. O povo português vê televisão. Por isso é que eu acho que nós temos o dever de fazer produtos mais virados para o que se está a passar no mundo e com um certo factor social e pedagógico. Sem dúvida que em Portugal as pessoas vêem mais televisão do que cinema, por isso é que o cinema está no estado em que está. E mesmo assim, com a Netflix e outras plataformas, a televisão também tem sofrido com isso. Acho que temos que encontrar o nosso caminho e fazer mais séries, como a RTP tem feito. Isso é bom e é uma viragem que estamos a fazer e que acho que devemos continuar se queremos que as pessoas continuem a ver o que nós produzimos.

 

Então e o cinema? O que opinas sobre o estado do cinema português? Temos bastante visibilidade por vários festivais de cinema importantes na Europa, mas isso não se repercute propriamente nas salas do nosso país…   

Eu acho que estamos no mapa neste momento, não só a nível de realizadores, mas também de actores. Há muitos actores a dar o salto para fora de Portugal e isso, ao mesmo tempo, aumenta o interesse em Portugal. Acho que o principal problema, se nós queremos fazer mais e que as pessoas vão mais ao cinema, é também começar nas escolas. Acho que é uma coisa que não há. Eu lembro-me de ver o “Scream” na escola e nunca me mostraram filmes portugueses. Os únicos filmes portugueses que nos mostravam eram, por exemplo, “O Auto da Barca do Inferno”, ou o “Dona Inês de Castro”, que eram filmes muito antigos e que nos dão uma ideia errada do que é o cinema português. Há filmes tão incríveis aos quais não temos acesso quando somos mais novos e depois as pessoas não se habituam a ver filmes portugueses ou a ouvir português numa sala de cinema. Nós estamos muito mais habituados a ouvir inglês, francês, espanhol, do que ouvir português. E é estranho isso, não é? É estranho sermos um país com coisas tão boas e uma História tão rica e não darmos valor. Mas ao mesmo tempo acho que com os incentivos fiscais que permitem co-produções e mais investimento feito nesse aspecto, as séries, tudo isso tem ajudado muito. Mas é um caminho e acho que depende mais de nós [portugueses] do que de fora do país. Tem que começar connosco e nós temos que gostar mais daquilo que fazemos e gostar mais de nós próprios. Porque temos muita dificuldade em gostar de nós, somos os primeiros a criticar-nos. 

 

Parece que em Portugal não sabemos lidar muito bem com elogios, de onde achas que isso vem? 

Vem porque nós não elogiamos. Mais depressa criticamos quando vemos que as coisas estão a correr bem. Sinto que às vezes somos pouco colegas nesse aspecto. Mais rapidamente criticamos do que parabenizamos ou falamos bem uns dos outros. Acho que isso falta. Também somos um país pequeno, há muitos actores para os poucos papéis que há. Se calhar se houvesse mais castings, e se as pessoas sentissem que fazem mais parte da indústria e que têm pelo menos a hipótese de ir a castings e de ser vistas, talvez isso mudasse. Mas em Portugal não há muitos castings, os papéis já estão quase todos escolhidos à partida. 

 

Voltando aos filmes em que participaste recentemente, podes falar-nos um pouco sobre o que andaste a fazer? Um deles é “Um fio de baba Escarlate” do Carlos Conceição, que esteve aqui na Berlinale no ano passado com “Serpentário”. Como correu esse projecto?

Foi muito engraçado, porque eu estava a filmar uma novela ao mesmo tempo, mas a vontade de trabalhar com o Carlos era tão grande que, durante duas semanas, o tempo de rodagem, eu estava na novela das 8h da manhã às 18.30h e estava depois no filme das 19.30h até às 2h/4h da manhã. Portanto foram duas semanas muito cansativas, mas muito compensadoras. Foi muito interessante para mim perceber qual é o meu limite a nível de cansaço. Percebi que o meu limite é maior do que o que pensava e quão engraçado é, quando estamos tão cansados, as coisas em que nós pensamos. Não damos importância nem questionamos certas coisas mais superficiais. Quando estás na cena, às vezes questionas muito e aquilo que tens que fazer perde o sentido. O Carlos até brincava e dizia: o filme está tão bem porque tu estavas tão cansada que nem pensavas. (risos) E é verdade.

 

Disseste na apresentação há pouco que tens esse lado controlador, talvez o cansaço te ajude então a baixar a guarda… 

Sim, deixas as coisas acontecer. E é muito interessante o que acontece aí. Só tens força para dizer o que tens a dizer, ou ir do ponto A ao ponto B. Tudo o resto varre-se da sua memória. Não estás preocupada com isso. 

 

E que outros projectos estão para vir?

Tenho alguns dos quais ainda não posso falar e com os quais estou muito contente. E tenho quatro filmes a estrear este ano: o do Carlos Conceição, “Um fio de baba escarlate”, o “Fátima” do Marco Pontecorvo, o “Infinite” do Antoine Fuqua e o “Sombra” do Bruno Gascon. Portanto é óptimo, tenho filmes portugueses, co-produções, filmes internacionais, de tudo um pouco. Vai ser um ano muito interessante. 

 

O que estás a achar de Berlim e como está a correr a passagem aqui pelo Festival? Vais conseguir ver filmes? 

Não, não. Nós temos tido um calendário impossível. Só vamos conseguir ver um filme cá, o que é uma pena porque eu adorava ver o filme da Catarina Vasconcelos [“A metamorfose dos pássaros”] mas já não vou estar em Berlim. A Leonor Silveira também está cá com um filme brasileiro [“Todos os Mortos”], mas também estreia num dia que não vou poder ir. Adorava poder fazer muita coisa, mas… 

 

Mas ainda assim a experiência de festival aqui está a está a ser mais tranquila do que em Cannes?  

Eu acho que já estou mais experiente também. Em Cannes estava zero à espera daquilo. Foi o primeiro festival onde eu fui e de repente estávamos numa sala com centenas de jornalistas e fotógrafos… Depois estás ao pé do Terry Gilliam, do Adam Driver, do Jonathan Pryce e da Olga Kurylenko e toda a gente quer falar com eles e tu estás ali no meio... É muito esmagador, mas acho que agora se calhar estou mais à-vontade. 

 

Pelo que observei esta manhã enquanto falavas com os vários jornalistas, pareces bastante à-vontade, de facto. 

Acho que foi graças a Cannes.

 

Foi uma boa escola então, foste logo atirada aos tubarões…

Foi, mas comigo tem sido sempre assim. No meu primeiro trabalho, Dancin’ Days, fui protagonista. Depois o filme do Terry [Gilliam]… tem sido tudo assim “atirada de cabeça”. E pronto, depois lá consigo aprender a lidar com tudo.

 

Aprendes a nadar.

Aprendo a nadar, sim. 

Rita Guerreiro

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Licenciada em Audiovisual e Multimedia pela ESCS – Escola Superior de Comunicação Social (Lisboa), chegou a Berlim em 2010. Depois de ter participado em vários projectos de voluntariado e iniciado o Shortcutz Berlim, juntou-se à nova equipa Berlinda em 2016 e é desde então editora do magazine, para o qual contribui com vários artigos e entrevistas. 

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