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11. Biennale Berlin - entrevista com a curadora Lisette Lagnado e a artista convidada Virginia de Medeiros

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22/01/2020

Foto: © Mathias Völzke

A Biennale Berlin começou em Setembro 2019 e termina a 13 de Setembro deste ano. A programação encontra-se dividida em diferentes partes: 

  • exp 1 - 7 de Setembro a 9 de Novembro

  • exp 2 - 30 de Novembro a 8 de Fevereiro

  • exp 3 - 22 de Fevereiro a 2 de Maio

  • Epílogo: 13 de Junho a 13 de Setembro

A 11. mosta integra os curadores Renata Cervetto, Agustín Pérez Rubio, María Berríos e a brasileira Lisette Lagnado. A curadora independente e crítica de arte tem um vasto currículo na área: foi curadora da 27ª Bienal de São Paulo – Como viver junto, em 2006, bem como do 33º Panorama da Arte Brasileira do Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 2013. Dirigiu também a Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro, entre 2014 e 2017.

Virginia de Medeiros é uma artista brasileira cujo trabalho “converge de estratégias documentais, para ir além do testemunho, questionando os limites entre realidade e ficção. A artista lida com três pressupostos comuns aos campos da arte e do documentário: o deslocamento, a participação e a fabulação”, como explica a própria artista no seu site oficial. Foi convidada para participar na 11. Biennale por Lisette Lagnado e está a fazer uma residência em Berlim para poder desenvolver o seu projecto artístico localmente.

A Berlinda falou com ambas, mulheres envolvidas na arte dos pés à cabeça, cada uma à sua maneira, e ficámos a saber o que ainda está para vir nesta Biennale, como por exemplo “a performance inédita que o coreógrafo congolês Dorine Mokha vai realizar no dia 24 de Janeiro”, como nos contou Lisette Lagnado. O evento terá lugar pelas 19h no ExRotaprint. A exp. 2 com Virginia de Medeiros – Feminist Health Care Research Group pode ser vista até 8 de Fevereiro de 2020 no ExRotaprint. 

 

Berlinda: A Biennale terá a duração de um ano. Que balanço faz até agora: adesão do público, eventos, debates, etc.? 

Lisette Lagnado: Como nenhuma de nós havia residido antes em Berlim, queríamos observar exatamente os pontos acima: será que nosso projeto atrairia um público majoritariamente artsy ou leigo, seriam moradores do bairro ou latino-americanos, constituído de jovens estudantes ou de habitués de bienais? O mais incrível acontece quando os vizinhos que trabalham no edifício do ExRotaprint vêm nos visitar. Por mais que sejam agentes envolvidos com cultura e educação, já deu para sentir que o conteúdo que estamos trazendo provoca uma estranheza. Ainda há uma expectativa de que uma Biennale mostre “obras de arte” e não “processos” ou mesmo arquivos. Por isso nos parece fundamental esse tempo mais dilatado e aberto para estabelecer um contato com as pessoas que vêm, seja isoladamente, uma a uma, seja em grupo, para nossa metodologia ir se explicitando e, também, as questões contextuais do Chile, do Brasil e da Argentina serem tematizadas.

 

B: Pode indicar alguns pontos altos que estão para vir neste ano de 2020?

L.G.: Estou ansiosa para ver a performance inédita que o coreografo congolês Dorine Mokha vai realizar no dia 24 de janeiro. Vamos aproveitar os elementos existentes no ambiente azulado criado pela Virginia de Medeiros e, com isso, acrescenta-se uma camada de sentidos. A “exp. 2” aborda a manifestação de conflitos e crises pessoais, causados por uma sociedade patriarcal, e apresenta formas de cuidado. Esse espetáculo de dança tem um teor autobiográfico: parte de um abuso cometido sobre o artista quando criança. É importante reconhecer o medo e acolher um corpo trêmulo...

 

B: Como surgiu a ideia de convidar a artista Virginia de Medeiros?

L.G.: Para o formato de residência e exposição em processo, só seria possível convidar artistas que têm disponibilidade para engajar-se em outras realidades. Essa porosidade é fundamental: ter um projeto que envolva uma comunidade local, mas, sobretudo, estar apta a transformações, a aceitar o indeterminado. A metodologia da Virginia possui a característica de abraçar outras vivências, até mesmo de atrair situações que parecem “mágicas”. Com ela, nada é por acaso.

 

B: Depois de terminar a Biennale de Berlim em setembro voltará para São Paulo? Qual/quais o/s próximo/s projeto/s que irá desenvolver?

L.G.: Vou lhe contar uma coisa. Eu tinha um grande projeto, sim, que aconteceria em São Paulo quando a Berlin Biennale estaria já no final. Acabei renunciando para poder ficar inteira em Berlim, sem ter de deslocar minha energia para outra coisa. Funciono assim. Para mim, fazer uma exposição, seja uma bienal ou não, é uma coisa séria demais para dispersar-se com outras demandas intelectuais. Não consigo. Prefiro terminar meu compromisso em Berlim para pensar o que fazer e para onde irei.

 

B: Como está a correr a Berlin Biennale e como é que o público tem recebido o seu trabalho? 

Virginia de Medeiros: O processo de criação, numa cidade desconhecida, trouxe uma outra inflexão sobre meu corpo. Sem um cotidiano familiar, os movimentos ganham uma pulsão que se assemelha ao transe. Me deixo guiar por uma espécie de comunicação sutil. É como se eu pudesse acessar uma outra dimensão ou uma outra qualidade de interlocução com o mundo. O cantor Gilberto Gil falou algo que trago para esta experiência: o modo de olhar é cultural, é social, e é pessoal – o indivíduo na vida, no mundo. O modo de ser é o modo de ser. O milagre da impessoalidade ou da trans-pessoalidade; o que é visto para além da visão; o fora de si, quiçá em sua para-normalidade. É assim que estou vivendo esse período de residência na Berlin Biennale

 

B: Como foi a sua participação no “Feminist Healthcare Research Group”?

V.M.: Aconteceu entre nós uma consonância de forças pela diferença. Nossos processos criativos são muito similares - o trabalho a longo prazo, a busca de formas de cuidado), porém as práticas são distintas.

 

B: É a primeira vez que está em Berlim? Gosta da cidade? Pontos altos/baixos até agora?

V.M.: É a segunda vez, a primeira foi em 1998. Gosto muito de Berlim, sinto-me acolhida e segura na cidade. Como no meu processo de criação, o desejo intenso de me integrar me mobiliza, não consigo sentir a cidade através de perspectivas de altos e baixos.

    

B: Pode explicar um pouco mais sobre o trabalho que desenvolveu nesta residência artística de três meses em Berlim? Toda essa magia, conexões e novas possibilidades que se abriram para si?

V.M.: Conheci o Babalorixá Murah, líder religioso do Candomblé, religião afro-brasileira,  e as mulheres membros da comunidade do Ilê Obá Silekê, primeira casa de Candomblé da Alemanha. Logo fui convidada a ser filha da casa. A religião afro-brasileira vem resistindo contra a agenda colonial. A desterritorialização dos negros escravizados aconteceu e não há reparação para esse despedaçamento identitário. Encontrar um terreiro de Candomblé em Berlim, estabelecer uma relação de confiança com um líder religioso em tão pouco tempo, ser recebida como filha da casa e ser cuidada espiritualmente é um portal de infinitas possibilidades.

Rita Guerreiro

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Licenciada em Audiovisual e Multimedia pela ESCS – Escola Superior de Comunicação Social (Lisboa), chegou a Berlim em 2010. Depois de ter participado em vários projectos de voluntariado e iniciado o Shortcutz Berlim, juntou-se à nova equipa Berlinda em 2016 e é desde então editora do magazine, para o qual contribui com vários artigos e entrevistas. 

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