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Dj Grace Kelly: "O meu trabalho é uma forma de apresentar a cultura do meu país"
Foto: Grace Kelly. @ Berlinda.org
Natural da Bahia (Brasil), a Dj Grace Kelly vive em Berlim desde 1996 e é uma das artistas convidadas para animar o último dia da Copa da Cultura 2.0 (um festival de música na Haus der Kulturen der Welt durante o mundial de futebol). O concerto será a 13 de julho (23:00 horas), precisamente no dia da final da Copa.
Foi no ambiente descontraído do Heimlich, o bar que explora na Ballhaus Naunynstrasse, que conversámos sobre as suas origens, o seu trabalho e a Copa da Cultura.
Leia, de seguida, a entrevista completa de uma artista que vale a pena conhecer.
BERLINDA: Nasceu na Bahia, Brasil. Considera que a sua herança cultural está sempre presente no seu trabalho?
GRACE KELLY: É importante e está sempre presente porque cultivo isso e porque trabalho com música brasileira. Estou sempre à procura do que há de novo no país em relação à música e à cultura.
B: Tem saudades do Brasil?
GK: Tenho saudades dos amigos e da natureza em geral que é muito bonita.
B: Porque razão escolheu Berlim para viver?
GK: Estudei agronomia e queria sair do Brasil. Tentei ir para França porque havia essa possibilidade através da universidade, mas não foi possível porque não consegui uma bolsa de financiamento. Nessa altura perguntei ao meu irmão, que já vivia em Berlim, se podia vir visitá-lo. E foi assim… vim, fiquei, gostei… e virei DJ.
B: Berlim é uma cidade que a inspira?
GK: Sim, Berlim inspira-me muito. É uma cidade muito “hipster” com uma mistura cultural muito acentuada. Eu mesma descubro, diariamente, coisas novas, pessoas de etnias diferente porque aqui encontras gente de tudo o que é canto. Por exemplo, foi aqui que descobri a música oriental, através de concertos ao vivo a que assisti. Essa descoberta foi importante para mim e ainda hoje influencia o meu trabalho. Além disso, Berlim é uma cidade que muda constantemente e que, talvez por isso, tem sempre coisas novas para descobrir.
B: Quem mais vibra com as suas atuações? Os brasileiros?
GK: Depende da festa. No início da minha carreira, quando só tocava música brasileira, sim o meu público eram os brasileiros, mas depois comecei a tocar músicas do mundo inteiro e ai já cativei um público variado.
B: Em que consistia o Mundo Mix – World Wide Dance Music?
GK: Foi a minha festa, que fiz na época da Radio Multikulti. Todos os segundo sábados de cada mês Mundo Mix apresentava bandas locais e internacionais e DJs. Ainda hoje uso essa designação (Mundo Mix) porque passo música de todo o mundo.
B: O que procurava fazer no programa Selektor – Brazil Beats que teve na rádio Multikulti?
GK: Quando fiz esse programa o objetivo era apresentar apenas músicas brasileiras e assim dar a conhecer um pouco dos artistas do Brasil.
B: Em que medida a sua participação no grupo Rainhas do Norte complementa o seu trabalho?
GK: Atualmente as Rainhas do Norte são sete (uma alemã e seis brasileiras) e é um trabalho de que gosto muito. Temos CD com composições nossas sobre temas como o direito à autonomia das mulheres, legalidade e livre autoexpressão cultural, sexual ou artística. Usamos a música para passar este tipo de mensagens.
B: Considera-se uma embaixadora cultural?
GK: Acho que sim. O meu trabalho é uma forma de apresentar a cultura do meu país. Quando passo música brasileira, organizo festas ou eventos específicos, acho que é uma forma de representar culturalmente o Brasil.
B: A Copa tem sido extremamente criticada, no Brasil e no exterior. Apesar disso, ela será realizada. Eventos como a Copa da Cultura podem, dentro desse contexto, ser positivos para a divulgação da cultura brasileira?
GK: Independentemente da polémica relacionada com a Copa, este tipo de eventos é sem dúvida uma boa forma de divulgar o trabalho dos artistas brasileiros. Na minha opinião, as pessoas estarão presentes, não só pelo jogo, mas também pelo artista. A Casa das Culturas do Mundo é uma mais valia, um sítio de grande riqueza onde se pode ter contacto com diversas culturas/países do mundo. Por exemplo, já vi grupos de música do Acre na Casa das Culturas, que não teria hipótese de ver no Brasil.
B: Gosta de futebol?
GK: Não. E não é de agora. Antes desta Copa, só assistia aos jogos da Copa do Mundo e só entrei num estádio uma vez, por isso não me considero uma fã.
B: Acha que o futebol combina com o mundo da música?
GK: Sim, aliás, considero que a música combina com qualquer coisa. E, claro, para mim a música é bem melhor do que o futebol! Esta ajuda a esquecer um pouco o que está atrás do futebol. E este evento é um dois em um: a pessoa vai pelo futebol e pela música e eu creio que, sendo o evento na Casa das Culturas do Mundo, o ponto mais forte é mesmo a música.
B: Que final gostaria de ver, dado que animará a última noite no HKW?
GK: Eu queria que o Uruguai ganhasse porque gosto do país. Não gostava que fosse o Brasil ganhar, porque além do país já ter muito destaque associado ao futebol, se ganhar a Copa, tendo em atenção o momento político que o país atravessa, não vai ser bom. Acho que as pessoas vão “adormecer” e esquecer a situação crítica que o país está a passar.
B: Em grande parte dos dias da Copa da Cultura, os concertos serão dados por artistas mulheres. Acha curiosa esta relação, dado que o futebol é um desporto muito associado ao sexo masculino?
GK: Sim claro, o futebol é um desporto muito machista. São poucas as pessoas que ligam ao futebol feminino. É interessante este contraste de jogo (homens) e música/concerto (mulheres). Além de combinar, ajuda a quebrar a testosterona.
B: Qual a sua opinião sobre as várias manifestações contra o mundial (imprensa, ataques a embaixada do Brasil…)? Que motivos que justificam a posição de quem está contra a Copa?
GK: Uma das polémicas é o facto de se estar a usar dinheiro que devia ser aplicado em áreas mais importantes que precisam de investimento como a saúde e a educação. Além disso, as imposições da FIFA também são controversas. Por exemplo, a Festa Junina (uma das tradições no Brasil que acontece em junho) não vai acontecer nas cidades onde vai haver jogo porque a FIFA não quer. A Copa sobrepõe-se às próprias tradições e cultura. É óbvio que foi o país (governo) que se candidatou e quis fazer este evento, mas o povo não foi consultado. O Brasil é visto como o país do futebol e, por um lado, é bom que o mundo esteja a ver que muitas pessoas do «país do futebol» não gostam e não concordam com o modo como as coisas se estão passando. Talvez isso ajude a repensar a estrutura da FIFA. Tudo isto faz com que se perca o espírito e a festa que o futebol supostamente simboliza.
Programa do Copa da Cultura 2.0 no Domigo, 13 de julho, de 2014
20:00 horas: Com as Rainhas do Norte
23:00 horas: Dj Grace Kelly
Haus der Kulturen der Welt
John-Foster-Dulles-Allee 10
10557 Berlin
Entrada gratuita

Fabiana Bravo
Nasceu na ilha Terceira, Açores, em 1987. Licenciada em Ciências da Comunicação pela Universidade Técnica e Mestre em Novos Media e Práticas Web pela Universidade Nova de Lisboa, vive e trabalha em Berlim desde maio de 2014.