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Cuca Roseta: "Desde que comecei a cantar nunca mais parei" I Entrevista
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02/11/2018
Foto: © Pedro Ferreira
Se, por um lado, “nada fazia prever que o fado a iria escolher”, por outro parece que o destino se encarregou de a colocar no lugar onde pertence. Cuca Roseta, cantora originária de Lisboa, chegou a fazer parte dos Toranja, grupo que fez sucesso em 2003 logo após a estreia da música, “Carta”. Mas foi no fado que encontrou o seu caminho e hoje afirma, sem hesitações, “Nasci para isto”.
Frequentou casas de fado por Lisboa fora e a dedicou-se a aprender tudo sobre fado. Cantou em algumas. Conheceu Ana Moura, que a incentivou a continuar no caminho do fado. João Braga convidou-a cantar com ele num espetáculo para a RTP. Cantou “Rua do Capelão” no filme “Fados”, de Carlos Saura, lançado em 2007. Mais tarde, viria a encontrar-se com o músico e produtor argentino Gustavo Santaolalla, conhecido e premiado autor das bandas sonoras dos filmes “O Segredo de Brokeback Mountain” e “Babel”. Foi ele quem captou a luz de Cuca Roseta e a transformou no seu primeiro disco - assim surgiu o álbum com nome próprio, “Cuca Roseta” em 2011. Seguiram-se “Raiz” (2013) e Riû (2015) e Cuca Roseta foi solidificando a sua carreira a nível nacional e internacional.
Considerada uma das maiores vozes do fado da actualidade, Cuca Roseta lançou “Luz”, o seu quarto álbum, em Novembro do ano passado. O novo disco abre com o tema “Luzinha”, com letra de Pedro da Silva Martins do grupo Deolinda. “Luz” é uma mistura de ritmos de fado tradicional com sons mais pop, flamenco ou folclore português, uma escolha pessoal de Cuca Roseta, que procura “imprimir o seu cunho próprio” em cada uma das canções. A cantora explica que os temas que compõem este trabalho foram escolhidos porque são especiais - emocionam-a, até: “isso para mim é o mais importante. Quando nos emocionamos, levamos alguma coisa aos outros”, explica à Berlinda.
Carolina Deslandes assina dois temas de “Luz”: “Quero” e “Não Demores”. Estas colaborações são fruto de amizades com “artistas que admiro, que me conhecem muito bem e que podem escrever de forma a que possa sentir-me em casa. Artistas com os quais me identifico muito”, conta-nos Cuca Roseta.
“Luz” traz ainda o som do piano nas canções “Luz do Mundo” e “Saudade”. “O piano sempre andou lado a lado com o fado”, garante Cuca Roseta. A ela, acompanha-a desde criança “Sempre toquei piano desde os meus 6 anos por ouvido, foi ao lado de um piano que cresci na música. Não faria sentido lançar um disco onde não aparecesse um piano”, diz peremptória.
Em Portugal esgota salas de concertos de norte a sul do país e tem viajado pelo mundo fora com a sua música - Londres, Paris, Rio de Janeiro, Barcelona, Nova Iorque ou Abu Dhabi, entre outras. Cuca Roseta apresenta-se este mês pela primeira vez na Alemanha, onde estará em digressão por seis cidades para apresentar o seu novo trabalho. São elas: Berlim, Bona, Karlsruhe, Freiburg, Reutlingen e Wawern.
Em Berlim, o concerto de Cuca Roseta terá lugar a 24 de Novembro pelas 20h na Apostel-Paulus-Kirche. Em entrevista com cantora, falámos sobre o seu novo trabalho e ficámos a saber que os seus concerto são uma experiência para se ouvir – e também ver – ao vivo. Em Berlim, Cuca Roseta promete um concerto “muito intenso, nostálgico, um concerto de muitas emoções. Seja para sorrir, emocionar, ou bater o pé, o fado deve-se ouvir e viver ao vivo“.
Começamos com o nome do teu novo disco, “Luz”. Podes explicar a ideia por trás dele?
Luz é uma descoberta interior, um lugar de intimidade, onde nos encontramos com nós mesmos, neste lado da vida que sente, que pondera, que se emociona, que se sensibiliza e que dá sentido a tudo o que a responsabilidade nos obriga a fazer e que nos faz, por vezes, esquecer quem somos e para onde vamos. Uma luz que se vê quando existe equilíbrio interior, uma luz que mostra o caminho para onde ir.
Sempre em companhia da guitarra portuguesa, “Luz” faz incursões por sons mais pop (“Quero”), pelo flamenco (“Versos Contados”) ou folclore português (“Alecrim”). Esta mistura é uma escolha pessoal em que procuras afirmar o teu espaço enquanto cantora, não apenas de fado mas com um repertório mais abrangente?
Uma cantora pode cantar qualquer género musical e imprimir lhe o seu cunho próprio, mas nada do que faço é pensado nesse sentido, eu simplesmente cantei essas canções porque gostei delas, porque me fazem emocionar, e isso para mim é o mais importante. Quando nos emocionamos, levamos alguma coisa aos outros. Normalmente é o fado e a música mais portuguesa que me emocionam, mas também pode haver um dia outra, de outro género, seja pela história que conta, seja pela melodia, que de alguma forma é familiar.
Com quatro álbuns aclamados nacional e internacionalmente, e sob o título de uma das mais interessantes vozes do Fado da nova geração, sentes cada vez mais a pressão ou, pelo contrário, estás cada vez mais segura de ti ao cantar?
Sinto-me muito mais segura e confiante do que quando comecei, acho que o palco agora é um lugar onde consigo ser eu própria e assim será muito mais fácil de trazer essa alegria que a arte e a música têm aos corações de quem a vem ouvir e sentir. Não sinto pressão, nunca tive medo do caminho que existe para mim, e também não tenho a ambição de ser famosa. Para mim é uma alegria cantar, por isso cada vez que o faço agradeço à vida. Desde que comecei a cantar nunca mais parei, e esteja a cantar para um rei ou para três senhores numa terra pequenina no Douro, a alegria de o estar a fazer é a mesma. Por isso sou livre relativamente à pressão que possa existir.
E não és só cantora, mas também compositora e letrista. Esta necessidade de assinares as tuas músicas está ligada à tua vontade de afirmação como artista completa e singular, com uma marca própria?
Na verdade não vejo como uma necessidade ou uma vontade de me afirmar como artista completa, se bem que isso naturalmente acontece, mas é algo que sempre fiz já antes de cantar, sempre escrevi e compus, e quando apareci a querer compor fados foi estranho por não ser algo muito comum. Mas, naturalmente, se o fadista procura a sua verdade, a possibilidade de poder escrever e compor ajuda muito a encontrar essa verdade e a passar algo mais genuíno que o fado pede.
Ou seja, já sentes que és uma fadista, que ganhaste apreço pelo público e pelos teus pares e que não te tens que justificar perante ninguém? O que é ser fadista afinal?
Sim, penso que existe um lugar para mim na geração do fado, consolidado, e isso é uma conquista fantástica, um presente da vida, sem dúvida. Tenho público que me segue de concerto em concerto, que me envia textos tão bonitos a dizer como a minha música chegou até eles e o que mudou, o bem que fez, e isso deixa-me sempre realizada. Aliás, é mesmo isso que me deixa realizada. Ser fadista é cantar a nossa verdade de vida, declamar uma emoção que se viveu ou sentiu, muito mais do que mostrar a voz ou uma cara bonita, a voz é escrava do poema que conta. E o fadista, à partida, é português, um embaixador de Portugal e da sua cultura no mundo. Com uma pitada de saudosismo, uma pitada de sebastianismo, com uma pitada de melancolia e muito de saudade, com romance, nostalgia e sentimento. Pela boca da verdade, nasce o fadista.
Rita Guerreiro

Licenciada em Audiovisual e Multimedia pela ESCS – Escola Superior de Comunicação Social (Lisboa), chegou a Berlim em 2010. Depois de ter participado em vários projectos de voluntariado e iniciado o Shortcutz Berlim, juntou-se à nova equipa Berlinda em 2016 e é desde então editora do magazine, para o qual contribui com vários artigos e entrevistas.