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“Estou me guardando para quando o Carnaval chegar”, Marcelo Gomes

Carnaval, Marcelo Gomes (c) Carnaval Fil

28/02/2019

Foto: © Carnaval Filmes

“Prefiro falar em português, para que possam ouvir um pouco esta língua que falamos”, começou Marcelo Gomes antes da projeção de “Estou me guardando para quando o Carnaval chegar”. O realizador explicou brevemente a geografia do Brasil e descreveu a  zona do Agreste, onde foi rodado o filme e onde o próprio cresceu. As memórias de infância que guarda da cidade de Toritama são muito diferentes da situação atual. Era uma cidade pacata e muito silenciosa. Volvidos vários anos re-descobriu um local cheio de movimento e do ruído ensurdecedor das incansáveis máquinas de costura.

 

Fez referência ao importante marco alcançado pela secção em que o seu filme se enquadrou: “Estou muito feliz de fazer parte da secção Panorama, que está completando 40 anos e que traz filmes que, de uma forma ou de outra, pensam no desenvolvimento da linguagem cinematográfica e discutem as questões políticas e sociais da contemporaneidade”.

 

“Estou me guardando pra quando o Carnaval chegar” é um filme muito pessoal e um marco pessoal "fico até meio envergonhado de apresentar ele. É a primeira vez que sou um dos personagens", confessa Marcelo Gomes. Partilhou ainda os motivos que o inspiraram e levaram a filmar neste cantinho meio esquecido do Brasil “A minha família é do Agreste. Um dia quando eu voltei, descobri essa cidade chamada Toritama.  Depois de algum tempo eu lembrei que eu a redescobri, porque há muitos anos atrás, quando eu era criança, meu pai viajava por essa região, e um dia me levou num grande passeio por todas as cidades de lá. Então essa é uma viagem de volta minha ao Agreste. E nessa viagem eu descobri personagens de uma resiliência e de uma resistência magnífica. E eu aprendi muito com eles. Um filme que era para ser sobre trabalho se transformou num filme quase existencialista, onde eu falo do tempo, da vida, do que a gente faz com a nossa vida”.  Marcelo Gomes terminou a sua conversa com o público presente com um convite para viajar dentro do seu filme: “Foi uma jornada muito bonita e eu espero que vocês curtam essa jornada pelo Agreste”.

 

Na cidade de Toritama, considerada a “capital dos jeans”, são anualmente produzidas mais de 20 milhões de calças de ganga em fábricas caseiras. Os trabalhadores orgulham-se do seu ofício e labutam longas horas durante todo o ano, exceto no Carnaval: quando chega a semana de folga vendem tudo o que acumularam e rumam à costa para descansarem em praias paradisíacas.

 

É o realizador quem abre a projeção, na qualidade de narrador, e caminha pela cidade interagindo com várias pessoas que provoca amigavelmente e instiga a contarem as suas histórias do dia-a-dia. Através dos olhos do cineasta vai-se desvendando uma realidade que para o público em Berlim parece ser avassaladora: os trabalhadores da indústria em Toritama trabalham obsessivamente, por vezes até dezoito horas por dia, e consideram-se sortudos por terem essa opção. Para eles, a atividade têxtil, mesmo sendo exaustiva e repetitiva, representa a melhor alternativa possível, pois quanto mais produzirem, mais podem receber.

 

Gomes capta o incessante barulho das máquinas de costura, o ágil bailado do manuseamento da ganga, as várias fases da produção das calças até ao momento em que são vendidas nos mercados. A repetição destas cenas evoca a rotina dos trabalhadores, que em nenhum momento são julgados pelas suas escolhas de vida. Pelo contrário, o olhar terno do realizador cria vários momentos de leveza - e até de comédia - ao retratar estas pessoas e a sua realidade. Onde muitos veriam adversidade e penúria, ele consegue ver poesia.

Mariana Lima

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Mariana é fascinada por línguas e expressões idiomáticas. Tradutora de profissão, tem um espírito de curiosidade aguçado. Por vezes sente-se culpada por não aproveitar melhor a oferta cultural da cidade. Chama casa a Berlim desde 2014. 

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