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“A habitação devia ser um direito e não um luxo que poucos podem pagar” - Leonor Teles em entrevista

caes-que-ladram-aos-passaros (c) uma ped

18/02/2020

Foto: ©Uma Pedra no Sapato

Cineasta com nome de Rainha de Portugal e raízes ciganas, tem provas dadas de que o cinema documental é a sua praia. Natural de Vila Franca de Xira, Leonor Teles é uma das mais promissoras e premiadas realizadoras portuguesas da nova geração, senão vejamos. Obteve a sua primeira grande distinção com a sua curta de estreia “Balada de um Batráquio” na Berlinale em 2016, com apenas 23 anos. Desde então tem somado vários outros prémios, nomeadamente com “Terra Franca”, a sua primeira longa, tais como o Festival Internacional de Cine de Mar del Plata, da Argentina, o Prix de La Ville d’Amiens, no 38.º Festival International du Film d’Amiens, em França ou ainda o SCAM Internacional, no Festival Cinema du Réel, na Suíça. 

 

Quatro anos volvidos, Leonor Teles volta a Berlim no âmbito do festival Woche der Kritik a 26 de Fevereiro com “Cães que ladram aos pássaros”. O documentário de 20 minutos será mostrado pela primeira vez na Alemanha. Curiosamente, esta visita à capital alemã coincide com a Berlinale, festival do qual guarda “muito boas lembranças”. Um marco de peso na sua carreira de cineasta, “foi uma altura muito especial. Estar em Berlim a estrear o meu primeiro filme foi incrível. Ainda por cima estava com malta que trabalhou comigo no filme, então foi assim uma experiência muito especial. Pudemos ver imensos filmes, passear, ir a festas. Coisas que eu ainda não tinha vivido num festival noutro país. Depois quando ganhámos o urso tornou-se ainda mais avassalador”, disse à Berlinda e ao PT Post. 

 

Os cães ladram e a gentrificação não passa

 

“Cães que ladram aos pássaros” é a sua nova curta e teve estreia internacional na competição do Festival de Veneza em Agosto do ano passado. Em Novembro estreou no Porto, cidade onde foi inteiramente filmada. “Há-de chegar em breve a Lisboa, espero eu. Tem corrido bastante bem. Em Veneza foi muito bem recebida, onde foi nomeada para os EFA’s [European Film Awards]. Já passou em Istambul, Viena, Rio de Janeiro, Estocolmo, Zagreb [...]. Acho que vai continuar o seu percurso pelos festivais internacionais que até agora tem sido bastante bom”, avançou orgulhosa. 

 

O documentário aborda um tema caro aos portugueses nos últimos anos: a gentrificação. “Cães que ladram aos pássaros” segue as mudanças que ocorrem na cidade do Porto e o seu impacto na vida da Família Gil. Mais concretamente através do olhar de Vicente, Leonor Teles vai mostrando um Verão que se revela bastante diferente de todos os outros que o jovem portuense já viveu. Movimenta-se descontraidamente em bicicleta e dá-se conta de que a sua cidade não é a mesma e de que o mundo à sua volta muda muito rapidamente - sendo que ele próprio também está a mudar.

 

Segundo Leonor Teles o cinema tem de ser pessoal e íntimo. Não faz castings nem trabalha com actores. Peremptória, explicou ao PT Post que não se trata apenas de criar empatia com as pessoas, mas que esta sua forma de trabalhar é “sobretudo uma questão de crença” no que toca à escolha das personagens para os seus filmes. “Encontras alguém e, de certa forma, apaixonas-te por essa pessoa, acreditas nela e na sua presença. E que desse encontro pode nascer um filme. Mais do que empatia, é intuição. No meu caso começa pela intuição. Eu sei mais ou menos o que ando à procura e quando encontro algo surge: ‘é isto’; é um sentimento qualquer dentro de ti que te diz ‘é esta pessoa! Esta pessoa tem a presença que procuro’”.

 

Dito assim parece fácil. O certo é que o este método tem resultado, a avaliar pela ampla participação em festivais internacionais que os seus filmes conseguem, bem como pelos prémios e críticas que têm somado nos últimos anos. “Claro que esta crença de que juntos podemos fazer um filme nasce das conversas e do conhecimento mútuo e do interesse que a pessoa demonstre em fazer o filme comigo. Porque os filmes também têm a ver com a experiência pessoal da pessoa que vou filmar, não só da minha”, conclui.

 

Uma residência no Porto foi o ponto de partida para esta curta-metragem, uma co-produção CMP e Uma Pedra no Sapato, financiado pela Câmara Municipal do Porto no âmbito do projecto Cultura em Expansão. Leonor Teles não tardou a pôr mãos à obra numa cidade que não é a sua, mas que sofre actualmente de um problema social semelhante. A realizadora não esconde, aliás, a sua posição relativamente ao tema da gentrificação e da subida extrema dos preços da habitação. Argumenta que deveriam ser criadas medidas para proteger os habitantes das cidades em vez “de os expulsar das mesmas”, e sublinha ainda a urgência de implementação de rendas mais acessíveis para que famílias e jovens com rendimentos mais baixos continuem a poder pagar. 

 

“O disparate que existe actualmente em Lisboa e no Porto reflecte uma desproporcionalidade abismal entre os rendimentos que as pessoas auferem e a incapacidade de pagar rendas de casa altíssimas. As pessoas vivem com medo de receber a carta a cessar contratos ou a não renovar os mesmos e depois não sabem o que fazer, porque não há ofertas acessíveis”, continua. Salienta ainda a necessidade de controlar a especulação imobiliária, pois defende que “a habitação devia ser um direito e não um luxo que poucos podem pagar”.

Rita Guerreiro

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Licenciada em Audiovisual e Multimedia pela ESCS – Escola Superior de Comunicação Social (Lisboa), chegou a Berlim em 2010. Depois de ter participado em vários projectos de voluntariado e iniciado o Shortcutz Berlim, juntou-se à nova equipa Berlinda em 2016 e é desde então editora do magazine, para o qual contribui com vários artigos e entrevistas. 

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