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Afrikamera - Africa Lusofonia: festival de cinema africano em Berlim com foco nos países de língua portuguesa

Resgate Mickey Fonseca (c) Promo Afrikam
Lucia no ceu com semaforos (c) Promo Afr

04/11/2019

Foto: Esquerda - "Lúcia no céu com semáforos", Ery Claver and Gretel Marin . Direita - "Resgate", Mickey Fonseca © Promo / Afrikamera

A associação cultural sem fins lucrativos toucouler e.V. dedica-se à promoção do diálogo intercultural entre África e Alemanha através da realização do festival de cinema "Afrikamera - current African cinema" desde 2007. O objectivo é combater a falta de sensibilização para a produção cinematográfica africana contemporânea na capital alemã. Este ano, o festival Afrikamera - Africa Lusofonia (7-11 Novembro), traz à grande tela várias produções cinematográficas oriundas dos países africanos de língua portuguesa..

Ery Claver, nascido em 1987 em Luanda, vem da escola da televisão. “Este approach televisivo desconstruiu, mas ao mesmo tempo  ‘cimentou‘ a ideia de cinema que construí. Fez-me renegar os aspectos técnicos, para me envolver no ponto mais importante para o meu trabalho, que é a empatia. Com a televisão, tive a sorte de conseguir infiltrar-me em todas as camadas da minha sociedade, o que me permite no meu trabalho artístico, divagar de forma imparcial, e dialogar de forma sincera, e ao mesmo tempo abstracta, com os ‘meus próximos’".

Integra a produtora Geração 80 desde 2013 e no currículo conta com trabalhos como o documentário “Ritmos Urbanos”, de Isilda Hurst e Córeon Dú, onde participou como operador de câmara e director de fotografia, e os documentários “Torre do Kinaxixi” e “A Kazukuta do Kabokumeu”, que co-realizou. Chega agora a Berlim por ocasião do Afrikamera. “Foi através de pessoas singulares, como o Miguel Hurst, em Luanda, e o Mickey Fonseca, em Maputo, que me foi introduzido o evento. Fiquei super lisonjeado por saber que este ano, dedicado principalmente ao conteúdo lusófono, fui um dos escolhidos para representar o meu país”, disse Ery Claver à Berlinda. 

Mickey Fonseca também é um dos nomes em cartaz no Afrikamera, onde marcará presença com a sua longa “Resgate”, no Sábado, 9 de Novembro pelas 21h. “O  [festival] Afrikamera e os seus organizadores seguiram-me desde o início, desempenharam um grande papel na minha carreira e é bom voltar a Berlim e poder partilhar o filme”, explicou. O realizador moçambicano tem a sua própria produtora, a Mahla Filmes, juntamente com (António Forjaz) Pipas Forjaz, que também o acompanhou nesta aventura que foi realizar “Resgate”. “Olho para ele hoje e vejo como éramos ambiciosos... Na altura tudo o que queríamos era fazer o filme a todo o custo. Foi um projeto difícil de realizar. Não temos financiamento do governo local ou de entidades privadas... Nós mesmos pagamos pelo filme depois de 8 anos de poupança e desenvolvimento da produção”. 

O cinema é uma paixão de ambos, mas na produtora desenvolvem outro tipo de filmes, publicidade ou videoclipes.  “O nosso ganha-pão é o comercial... filmamos campanhas locais para bancos, empresas de cerveja e também trabalhamos para clientes internacionais. O que fazemos a partir dos anúncios é o financiamento dos nossos próprios projectos. Ao longo dos anos temos conseguido adquirir muito material cinematográfico, desde luzes, câmaras, grips, etc. Tudo isso com a finalidade de reduzir os custos, produzindo cinema independente de qualidade”, disse ainda à Berlinda Mickey Fonseca. 

Dia 11 de Novembro pelas 18.30 será a vez do realizador angolano estar presente na exibição da sua curta metragem “Lúcia no céu com semáforos”, que em Fevereiro deste ano esteve seleccionada na secção “Regards d’Afrique” do Festival international Clermont-Ferrand, considerado um dos maiores festivais do mundo de curtas-metragens. “O Clermont-Ferrand é realmente um festival muito abrangente. Pena que é quase impossível acompanhar toda programação proposta, porque, de facto, é muito extensa. O mais proveitoso foi que a selecção africana recebeu um interesse especial, tanto do público ocidental como entre nós, cineastas africanos, que raras vezes podemos discutir e partilhar o que tem sido feito a nível continental. Foi linda a recepção no geral”, contou ainda. 

“Lúcia no céu com Semáforos” conta a história de uma mulher, um ser-objecto silenciada por uma sociedade sexista, ou ”o espectro de um ser lançado à sorte”, como define o próprio realizador. A curta surge de um poema e de vários relatos de mulheres que passaram por situações de violência e diminuição social “É um trabalho evoluído a partir de um vídeo arte filmado com duas trabalhadoras de sexo da baixa de Luanda, que o seu trabalho é definido pela ordem dos Semáforos na estrada. Estes semáforos, são, para mim, a metáfora mais exacta das intermitências da vida, os três pontos cromáticos do semáforo definem bem como nos lançamos à indefinição, nunca sabemos, quando ao caminhar, que cor iremos encontrar…”, disse à Berlinda. 

Sobre o cinema em Angola, Ery Claver é peremptório: “O cinema em Angola, simplesmente não existe. Não há incentivos, nem apoios institucionais nem privados. Teima uma geração que, com meios limitados, ousa em produzir obras, que mesmo precárias tecnicamente, procuram definir a sua época por meios audiovisuais.Nomes como: Fradique, Hugo Salvaterra, Sérgio Afonso e Kamy Lara, da Geração 80. Dorivaldo Fernandes, Ambriz Satanha, Maquete Paciência, Paulo Azevedo, e outros que vêm tentando, com todos os percalços, traduzir, cada um à sua maneira, o tempo em que vivem”. O futuro mostra-se, no entanto, bastante produtivo: Ery Claver prepara-se para estrear a sua primeira longa. “Na Geração 80 estamos prontos para, em Dezembro, estrear a nossa primeira longa metragem de ficção, intitulada ‘Ar Condicionado’, realizada pelo Fradique, na qual co-escrevo e faço a direcção de fotografia. E em Janeiro termino a primeira parte de uma série de 5 curtas metragens, chamada ‘A Love Story About Power’". 

Já “Resgate” é um filme independente 100% moçambicano. Trata a história de Bruno, saído há pouco tempo da prisão, e que se vê em dificuldades financeiras e não tarda a envolver-se de novo no mundo do crime. Actores profissionais e amadores contribuíram para o que o realizador descreveu como “uma experiência fantástica, um grande desafio. Gil Esmael (Bruno) e Rashid Abdul (Boss) não são actores profissionais e tiveram os papéis principais… Eu sempre tive a Arlete Bombe (Mia), Laquino Fonseca (Tony) e Tomás Bie (Américo) em mente. Tinha a confiança que eles se entregariam e eles faziam mais do que isso... Tornou-se o nosso filme e todos os atores deram o melhor de si”. O filme tem recebido bom feedback e venceu já várias distinções, nomeadamente dois prémios - Melhor Roteiro e Melhor Direcção de Arte - nos African Movie Academy Awards (AMAA) em Lagos, Nigéria. Apesar de tudo, nem tudo foi fácil e é um projecto que resulta de vários anos de trabalho. “Ainda estamos enfrentando dificuldades... Fazer um filme independente e divulgá-lo é difícil... e não há muita gente disponível para ajudar. Fazer um filme fora dos sistemas internacionais de financiamento provou ser uma das coisas mais difíceis que já fizemos. É uma roda e se não se faz parte dela desde o início, é difícil entrar em muitos festivais importantes e conseguir uma distribuição. É uma decisão que tomámos e estávamos conscientes do que estaria para vir, mas optámos por ela porque queríamos ser independentes... vamos continuar pressionando. O principal obstáculo em Moçambique é a falta de interesse do governo. Simplesmente não se importa. É difícil fazer filmes quando não se tem apoio.

 

Desigualdade social, desemprego, crime, extorsão, raptos, droga ou falta de rumo, são temas que segundo o realizador fazem parte da realidade do país e nos quais se inspirou para fazer o filme. “Senti que havia necessidade de contar uma história sobre o aqui e agora. Sobre as questões que nos afectam num diário”. Em entrevista à revista digital Buala, o realizador explicou que “Resgate” pretende também “enfatizar que o crime não compensa”…  O filme é não só uma chamada de atenção aos jovens moçambicanos, mas também ao próprio governo daquele país, para que se empenhe mais na criação de empregos e na melhoria geral das condições de vida das camadas jovens. 

 

Outros filmes lusófonos em cartaz incluem “Entre eu e Deus”, de Yara Costa (9 de Novembro), que foi parte da selecção oficial do Doc Lisboa em 2018, “Our Madness”, de João Viana (9 de Novembro), seleccionado na Berlinale no mesmo ano ou “Arriaga”, de Welket Bungué, que também passou pela Berlinale em 2017 com o filme Luso-brasileiro “Joaquim”, de Marcelo Gomes (11 de Novembro) na secção Lusophone Shorts.  Programa completo no site do festival, para consulta aqui.

Rita Guerreiro

Foto Rita.jpg

Licenciada em Audiovisual e Multimedia pela ESCS – Escola Superior de Comunicação Social (Lisboa), chegou a Berlim em 2010. Depois de ter participado em vários projectos de voluntariado e iniciado o Shortcutz Berlim, juntou-se à nova equipa Berlinda em 2016 e é desde então editora do magazine, para o qual contribui com vários artigos e entrevistas. 

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