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MAGAZIN

Os brasileiros e os árabes - entrevista ao realizador Otavio Cury
Foto © Otavio Cury
“Gosto de filmes que abrem questões e não daqueles que as fecham. «Constantino» vai nessa linha, abrindo tempos, vozes, idiomas.“
Otavio Cury é realizador, nascido em 1971 em São Paulo. Da sua filmografia fazem parte “Cosmópolis” (2005), “Constantino” (2012) e “History of Abraim” (2015). Vivendo actualmente entre São Paulo e Berlim, Otavio Cury desenvolve trabalhos entre as duas cidades No passado mês de Dezembro apresentou o seu filme “Constantino” na mostra Arabische Filmreihe no Werkstatt der Kulturen. A projecção do filme em Berlim teve um carácter muito particular, segundo o realizador “Especialmente por ser a primeira vez que havia sírios na plateia. Foi interessante escutar a reação deles ao filme. Constantino foi filmado antes do início da revolução e não fala diretamente do assunto. Fala da Síria com bastante subjetividade e através de poesia de um passado remoto. Achei legal ver os paralelos que os Sírios fizeram em relação ao que está acontecendo. Como se o filme falasse de uma tensão latente entre o arcaico e o novo”.
A Berlinda teve a oportunidade de falar com Otavio Cury sobre esta obra, que inevitavelmente coloca mais uma vez em foco o povo Sírio e os horrores da guerra que destrói aquele país há já mais de 5 anos.
Filmar “Constantino” foi como que uma auto-descoberta para o realizador – Otávio Cury é neto de Sírios. O seu bisavô, Daud Constantino Al-Khoury (1860-1939), foi professor e dramaturgo e emigrou para o Brasil em 1926. Em casa, a família sempre se sentiu Árabe, mas o realizador não fala a língua. “Sei palavras básicas, estudei um pouco mas é um idioma complexo. Tudo o que sei aprendi nas ruas da Síria. Sei os números, pedir comida, pedir direções na rua, falar sobre filmagem e cinema. Coisas que tinha que falar durante as filmagens.”
Após ter encontrado o livro com a obra literária completa do seu avô, a ideia de criar um filme/documentário a partir dele foi imediata, espontânea? Ou as ideias foram amadurecendo com o tempo até que decidiu que essa história daria um filme?
Encontrei o livro com as obras completas de meu bisavô Daud Constantino Al-Khoury em setembro de 2001, em uma viagem de turismo que fiz com meus pais à Síria. Naquele tempo eu não trabalhava com cinema. Fiz meu primeiro documentário em 2005, “Cosmópolis”, um filme sobre a minha cidade e seus imigrantes, São Paulo. Depois, em 2007, dei início ao projeto do Constantino. O primeiro passo foi a tradução da obra ao português, que levou dois anos. As filmagens aconteceram em 2009 e o filme foi lançado no Brasil em 2012. Desde o começo achei que essa história daria um filme. Havia ali um tema pessoal, minha descoberta, minha aproximação do oriente como ocidental em um cenário global de desconfiança e medo dos árabes no mundo pós 11 de setembro. No início achei que o filme seria mais biográfico, porque meu bisavô teve um papel importante no nascimento do teatro na Síria. Mas ao longo do processo o filme foi ficando mais subjetivo, e a busca foi tomando lugar de protagonista.
Disse em entrevista que o filme lhe deu a oportunidade de conhecer o lado da sua bagagem cultural que desconhecia, em que sentido?
Sou neto de avós e bisavós que emigraram da Síria e do Líbano para o Brasil no início do século XX. Cresci como árabe, ou descendente de árabes, mas isso sempre foi uma coisa muito difusa pra mim. Meus pais não falam a língua mas mesmo assim eu escutava “Nós, árabes…”. E eu era chamado de turco na escola. Passei mais de 4 meses na Síria para fazer o filme. Ali entendi o que é de fato a cultura, e acho que a cultura passa pela língua, pelo idioma.
Outra das coisas que mencionou foi o que aprendeu sobre a cultura Árabe, nomeadamente a generosidade e hospitalidade Árabe. Poderia elaborar um pouco mais sobre esse tema?
Durante as filmagens, em 2009, era sempre convidado para casa das pessoas. Nada começava antes de um chá e uma conversa. As portas se abrem para o visitante. E em Homs, terra do meu bisavô, tivemos momentos em que fomos parados pela polícia secreta do Assad. E sempre havia alguém da cidade que vinha nos socorrer. Afinal estávamos lá para falar da cidade e de um personagem querido pelos habitantes.
Berlim é uma cidade onde a comunidade Árabe está presente em número bastante considerável – ronda as 70 000 pessoas – o que considera mais interessante desta cultura em Berlim?
Gosto muito da atmosfera imigrante e dos restaurantes árabes de Berlim. Comida boa e barata. Acho que a integração de todos os que chegaram recentemente será um grande desafio mas seguramente, a médio-prazo, vai enriquecer a cidade, na cultura e na economia. Sou de São Paulo, uma cidade que nunca parou de receber imigrantes.
O filme foi rodado na Síria em 2009, em que zonas do país exactamente e como foi a experiência de filmar lá?
Filmar na Síria foi um desafio enorme. Não conseguimos autorizações de filmagem, mesmo tentando ao longo de um ano. Viajei antes da equipe para assegurar as autorizações mas nem assim foi possível. No final, embarcamos com vistos de turistas. Deu certo, mas só porque tínhamos o apoio da embaixada brasileira em Damasco. Nossa equipe era formada por quatro pessoas. Nossas locações principais eram Homs e Damasco, as cidades em que meu bisavô morou e trabalhou.
Com certeza se sente ainda mais impressionado com a situação actual de guerra terrível na Síria…
Sim, claro. Conheci muita gente na Síria e sigo em contato pela redes sociais. Lugares em que filmei estão devastados. Milhares e milhares de inocentes mortos e milhões de refugiados. Depois de tanto horror, o mundo não se choca mais. O que deixa tudo ainda muito mais assustador.
Vive entre Berlim e São Paulo, em qual das duas cidades está a trabalhar neste momento e quais são os seus projectos futuros?
Estou em São Paulo agora para finalizar um documentário sobre o povo Yanomami, que vive nas montanhas de Roraima, no norte da Amazônia. É um filme sobre a fronteira, o contato das equipe de saúde indígena com o povo Yanomami, um dos últimos grandes povos indígenas a viverem em uma floresta protegida. As visões de mundo dos dois lados e o (des)entendimento possível.
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